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segunda-feira, 24 de maio de 2021

ÀS MARGENS DA GUANABARA: AS ORIGENS DO POVO FLUMINENSE

Este ano faz 60 anos da montagem do brasão da Ilha do Governador, além de 40 anos de sua ascensão como distrito do Rio de Janeiro. E ano que vem a Ilha fará 455 anos de História. Uma história que se mistura às disputas luso-francesas no litoral sul brasileiro. Uma história que se mistura com as lutas entre católicos e protestantes na França. Uma história que foi palco das disputas entre perós(portugueses) e mairs(franceses) pela posse do Rio de Janeiro.

A fundação da Ilha do Governador passa indiretamente, ou mesmo diretamente, pelas fundações do município de Niterói e do Rio de Janeiro. O combate à pirataria no nosso litoral sul passou a ser preocupação constante da coroa portuguesa após João III iniciar a colonização do Brasil em 1532, com os chamados Governos Gerais. A cidade do Rio de Janeiro recebeu essa nome por muitos imaginarem se tratar realmente de um rio na entrada da Baía da Guanabara.

A Baía de Guanabara foi descoberta por Gaspar de Lemos em 1502, dado um nome Guanabara, ou braço do mar, na língua Tupi. Ali seria entrada e saída, tanto de colonos portugueses, como de piratas franceses e, mais tarde, ingleses e flamengos, que competiriam com a coroa portuguesa, já decadente.

Na segunda metade do século XVI a França passava pela disputa de poder católica e protestante, onde o chefe dos protestantes,o almirante Gaspar de Colligny, pressionava o rei Henrique II da França por uma expedição nas terras portuguesas na América. E este nomeou o vice-almirante Nicolau Durant de Villegagnon para ir ao Brasil, mesmo sem muito apoio, devido às rixas religiosas.

Mas não era só a coroa francesa que estava com problemas. Em 1580 morria o último rei português da dinastia de Avis, o cardeal D. Henrique.Este era substituto do rei infeliz D. Sebastião,que havia desaparecido nas desastrosas cruzadas portuguesas na África dois anos antes, na desastrosa batalha de Alcácer-Quibir. Mas agora havia um pretendente ao trono: O rei Felipe II da Espanha. Um católico fervoroso e irrascível, não disposto a negociar com quaisquer religiões ou crenças,fossem judaicas, islâmicas ou protestantes.Isso trouxe ao Brasil uma guerra cultural até então aqui desconhecida:A inquisição ibérica!O Brasil de Felipe II seria um país que faria vários judeus não terem mais sobrenome, ao adotarem sobrenomes de plantas(Oliveira, Silveira,Pereira,etc), como novos nomes de judeus 'convertidos', os chamados marranos,como eram conhecidos. Finalmente houve acordo entre nobres portugueses e o novo rei. E assim, Portugal passava a ser uma só coroa com a Espanha. Então quaisquer colônias portuguesas passariam ao domínio espanhol, inclusive o Brasil. Assim foi feito o acordo nas Cortes de Tomar em 16 de abril de 1581,onde felipe II tornar-se-ia o próximo rei de Portugal e, também, do Brasil. Esse quadro permaneceria pelos próximos 60 anos, até a revolução que levaria ao poder a dinastia de Bragança.

Um detalhe curioso é preciso entender nisso tudo: Não existia, como hoje, esse senso de "donos da terra". O próprio rei Francisco I da França, que era pai de Henrique II, havia perguntado aos reis de Portugal e Espanha se Adão e Eva havia passado algum testamento de donos da terra aos reis luso-espanhois. Obviamente se referia ao tratado de Tordesilhas, estipulado em 1494 entre as potências ibéricas. Mas o século XVI não reconhecia posses nacionais ou fronteiras. Apenas posses de terras pessoais.

Então, na segunda metade do século XVI, partia a expedição francesa em direção ao Rio de Janeiro. Comandada pelo vice-almirante Nicolau Durant de Villegagnon, que era cavaleiro de Malta, católico, mas muito devoto da causa protestante na França e amigo pessoal de Gaspar de Colligny, essa expedição procurava formar uma colônia ecumênica no Rio de Janeiro. Claro, esse termo, ou mesmo a ideia, nem existia na época. Mas se aproximava bastante disso. Tanto que veio para a colônia francesa o pastor francês Jean de Lery, autor do livro Viagem à terra do Brasil, que retrata a primeira colônia protestante em solo brasileiro.Mas não foi somente ele. Em 1549 um alemão chamado Hans Staden esteve no litoral paulista em um 1º contato com povos indígenas locais. Provavelmente o francês desconhecia essa viagem anterior ao litoral brasileiro. As notícias não corriam como hoje em dia. E assim os franceses estabeleceram sua colônia, chamada França Antártica, construindo o forte Colligny, na entrada da baía, na atual ilha de Villegagnon.

Enquanto isso, os conflitos luso-franceses permaneciam na entrada da Baía da Guanabara. Assim, em 20 de janeiro de 1565, o sobrinho do governador Mem de Sá, Estácio de Sá, funda a cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro, entre os morros da urca e Pão de Açúcar. Portugueses começavam a fundar seus domínios na Baía da Guanabara.

Mas nem tudo são flores. Os franceses se aliaram aos tamoios contra os portugueses. Os índios maracajás da Ilha de Paranapuã(atual Ilha do Governador), que eram aliados dos portugueses, foram expulsos da ilha, fugindo para o Espírito Santo. Mais tarde, um dos índios maracajás, chamado Araribóia, veio ajudar os portugueses. Se travou duas batalhas:A Batalha de Paranapuã, na atual Ilha do Governador, e a Batalha de Uruçumirim, entre as atuais praias do Flamengo e da Glória. Antes desta época, a Ilha fora conhecida pelo nome de Ilha de Paranapuã pelos maracajás, que em tupi significa "colina do mar".Após as batalhas, o índio Araribóia foi recompensado pela coroa portuguesa,recebendo o governo de uma aldeia, a Aldeia de São Lourenço, do outro lado da Baía de Guanabara. Anos depois esta aldeia viria a se tornar o município de Niterói.

Com a expulsão definitiva dos franceses do Rio de Janeiro, o governador geral Mem de Sá deu o governo da Ilha dos maracajás ao seu outro sobrinho, Salvador Correia de Sá, irmão de Estácio de Sá. A carta de doação foi feita em 5 de setembro de 1567, data tida como fundação da atual Ilha do Governador.

A Ilha do Governador já era anteriormente conhecida como Ilha dos maracajás pelos portugueses, devido a abundância de um determinado gato selvagem na Ilha(por isso a pedra da onça, no bairro da Freguesia). Também era conhecida por Ilhabela pelos franceses. Foi na Ilha do Governador que foi lançado ao mar o navio Galeão Padre Eterno, em 1663, na época o maior navio do mundo. Foi construído no bairro do Galeão atual, na entrada da Ilha.

Hoje a Ilha é um distrito do Rio de Janeiro, tendo vários bairros. Esse status de bairro para distrito foi modificado pelo decreto municipal n° 3157 de julho de 1981. Daí para frente a Ilha passou a ser a XX região administrativa do Rio de Janeiro. Agora está subdivida em vários bairros, onde um deles, o Jardim Guanabara, se tornou o 3° lugar em IDH entre os bairros do Rio de Janeiro, perdendo apenas para Gávea e Leblon.

O brasão da Ilha do governador foi criado recentemente, em 1961. Uma estrela de prata, que originalmente estava no alto do brasão, era indicação da condição de distrito federal que o Rio de Janeiro possuía até a transferência para Brasília. Com a perda do status de "estado da Guanabara" em 1975 pelo Rio de Janeiro, o brasão perdeu sua estrela. O arco e flecha simboliza a ocupação primária da Ilha pelos povos tupis. Abaixo, a esquerda, tem-se o governador Salvador Correia de Sá. No alto, à direita, está a capela imperial nossa senhora Conceição, que se localiza no Jardim Guanabara. Embaixo estão misturados os simbolos da Aeronáutica e Marinha, simbolizando a ocupação militar da Ilha. As cores vermelhas no brasão simbolizam o sangue dos portugueses derramado em prol da expulsão dos franceses do Rio de Janeiro. Como tudo que existe na heráldica, existe a simbologia da guerra embutida.

Referências Biliográficas

1.AGUIAR, Luiz Antonio. HANS STADEN:Viagens e Aventuras no Brasil..Editora Melhoramentos. São Paulo, 1992
2.A Restauração e o Império Colonial Português.Comissão Executiva dos Centenários.Lisboa, 1940.
3. LÉRY,Jean de. Viagem à terra do Brasil.Livraria Itatiaia Editora.São Paulo, 1980.
4.OLIVIERI,Antonio Carlos.A França Antártica.Coleção:O Cotidiano da História.Editora Ática.São Paulo,1994.