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sexta-feira, 30 de dezembro de 2022

O prisma de cores : Do arco-íris se fez Newton

O que é luz? Para responder a isso, Einstein introduziu, no início do século XX, o conceito quântico de fóton, tanto partícula, como onda. Estava resolvida a discussão sobre a natureza da luz, que seria tanto corpuscular, como ondulatória. Questão que havia dividido vários físicos do passado.

As duas teorias tiveram seus defensores, que foram Isaac Newton(1642-1727) defendendo a teoria corpuscular, enquanto Christian Huygens(1629-1695), Thomas Young(1773-1829) e Augustin Fresnel(1788-1827) defendiam a teoria ondulatória. Mesmo estando sozinho em sua ideia, Isaac Newton não estava de todo errado. O seu artigo Optica, de 1672, agora fazendo 350 anos, já faria um caminho para que a luz tivesse duas naturezas. E uma delas não era contemplada por ele.

Muitas vezes, quando vemos um arco-íris no céu, não nos damos conta do que é aquilo. Quantos não fizeram a experiência da mangueira d'água no quintal, lançando um jato d'água sob a luz do sol, e viram um arco colorido se formar? Pois é. Isto tem nome, e se chama dispersão luminosa. É um tipo especial de difração da luz. E foi feita por vários cientistas no século XVII, incluindo René Descartes(1596-1650).

Porém Descartes e os outros não faziam ideia do que era a chamada dispersão luminosa. Eles acreditavam do que luz se dividia no arco-íris ao atravessar um prisma. Mas não sabiam que cada luz monocromática daquela poderia ser separada. E nem que cada luz pudesse ser separada por frequência. Esse desmantelar da teoria luminosa coube a um homem. Seu nome era Isaac Newton(1642-1727).

Newton era não só um cientista, um curioso com brinquedos mecânicos em sua infância, mas também profundamente religioso. Tinha falhas doutrinárias em relação ao cristianismo ortodoxo, pois seguia uma espécie de arianismo cristão. Mas, ainda assim, um religioso cristão. Então ele via na luz, primeira criação divina segundo o Gênesis, o objeto da perfeição de Deus. Uma vez passou um longo tempo olhando para o sol. Depois fechava os olhos. Daí via círculos coloridos esporadicamente. Depois viu cores através de uma pena de ave, ao colocá-la contra o sol. Tudo isso ele precisava saber o porquê.

Até que um dia, ao frequentar o mercado de antiguidades com seu amigo John Wickins, não comprou livro algum. Comprou um prisma numa loja de alquimia. Os prismas tinham a propriedade, segundo muitos físicos, de mudar a luz branca em cores de arco-íris. Mas será que mudavam a luz branca ou mostravam como era essa luz? Era isso que as experiências de Newton iam mostrar. Aquilo que se falava sobre a luz nos Princípios de Filosofia, ou na Dióptrica de Descartes, não era satisfatório.

Tanto aquela explicação de Descartes não era satisfatória, que o próprio Christian Huygens(1629-1695), matemático e físico holandês, estava preparando uma explicação que melhor satisfizesse os cientistas da época. Huygens divergia de Newton na parte sobre a natureza da luz, assim como o matemático e filósofo alemão Gottfried Leibniz(1646-1716) divergia com Newton na área do Cálculo. Huygens era de uma geração anterior de matemáticos, e muito mais experiente, em relação aos outros dois. Pudera, em 1687 Huygens foi considerado o maior físico do mundo ainda vivo. Também é importante esclarecer que tanto Newton, como Leibniz, consideravam o velho matemático holandês como um mestre.

Contrariamente à expectativa de Newton, seu artigo de 1672 foi mal recebido. Ele é criticado com base em três objeções: 1°) Alguns físicos não conseguem refazer suas experiências; 2°) Outros físicos, como Robert Hooke(1635-1703), não questionaram a experimentação, mas a interpretação de Newton; 3°) E, finalmente, Huygens propõe que Newton põe em evidência uma propriedade secundária da luz, que seria a desigual refratabilidade de seus raios. Na verdade, Newton divergia sobre metodologia na sua época. No século XVII se acreditava que era preciso várias experiências para tirar conclusões. Newton não acreditava nisso. Além disso, o detalhe das cores não foi plenamente compreendido por Huygens, por exemplo.

Isaac Newton teria muitas rivalidades científicas na vida. Não só por sua vaidade, mas também por seu isolamento social. Após os ataques recebidos por esse artigo, ele ficaria anos em silêncio. Foi descoberto por Edmond Halley(1656-1742), para dar sua contribuição à gravitação universal. Mas houve muitas divergências, como Hooke na questão da luz, ou Leibniz na questão do cálculo. Mas o cientista isolado teve o sepultamento de um rei. Em uma homenagem, o poeta inglês Alexander Pope(1688-1744) parafraseou o livro de Gênesis, da Bíblia, para dar uma interpretação da vida de Newton, dizendo:"A natureza e suas leis escondiam-se na noite. Deus disse: Que se faça Newton. E tudo se fez luz!" Em seu funeral estava presente uma figura ilustre, que também era seu fã. Nada menos que François-Marie Arouet(1694-1778), mais conhecido pelo pseudônimo de Voltaire. Este filósofo publicou, em 1738, o seu frontispício chamado Elementos da Filosofia de Newton. Esta obra que tornou conhecida a física newtoniana na França.

Hoje sabemos que a natureza da luz é tanto corpuscular, quanto ondulatória. Já no espectro de cores, sabemos que Newton estava absolutamente certo. Alguém que propôs isso há 350 anos atrás merece todo crédito necessário. Já as notas de cálculo, hoje se usam muito mais as posteriores a Newton, ou até mesmo a de Leibniz, do que as dele próprio. A concepção de fóton, descoberta por Albert Einstein(1879-1955), veio a trazer um mundo novo a desvendar. Em alguns anos, observaremos uma floresta tropical na superfície de um planeta gêmeo da Terra, em órbita em torno de uma estrela longínqua. Para isso, centenas de espelhos formarão um interferômetro espacial de um novo tipo: Um hipertelescópio! Mas isso já é outra história…

Referências Bibliográficas

1.WHITE, Michael. Personagens que mudaram o mundo:Isaac Newton. Tradutor:Matilde Leone.Editora Globo. Rio de Janeiro,1993.
2.Revista Scientific American Brasil. Edição Especial Todos os estados da luz. nº29. Editora Duetto. Maio, 2007.
3.Revista Scientific American Brasil. Coleção Gênios da Ciência:Isaac Newton. nº01. Editora Duetto. Março,2007.

quinta-feira, 29 de dezembro de 2022

Não existe tratado do lado de baixo do Equador

"Brandindo achas e empurrando quilhas, vergaram a vertical de Tordesilhas."

Guilherme de Almeida, monumento aos Bandeirantes, no parque Ibirapuera, São Paulo.

Do que trata a frase poética do paulista em questão acima? Isso foi o reconhecimento, por parte dos bandeirantes paulistas, que o Tratado de Tordesilhas, ratificado mais tarde pelo papa Júlio II em 1506, era cada vez mais burlado. Portugueses avançavam para dentro do território sul americano sem nenhum reconhecimento, ou repreensão, por parte de autoridades espanholas. Isso viria a trazer consequências bem sérias mais tarde, onde portugueses, que não tinham nenhum respeito pelos jesuítas, avançaram sobre os territórios dos Sete Povos das Missões e os destruiu. Este povoamento era o conjunto de sete aldeamentos indígenas fundados pelos Jesuítas espanhóis na Região do "Rio Grande de São Pedro", atual Rio Grande do Sul, composto pelas reduções de São Francisco de Borja, São Nicolau, São Miguel Arcanjo, São Lourenço Mártir, São João Batista, São Luiz Gonzaga e Santo Angelo Custódio. De forma brutal, interesses escusos de Portugal, Espanha e Inglaterra acabaram com a maior missão civilizatória da América do Sul em pleno século XVIII.

Essa mesma realidade se aplica aos Tratados internacionais sobre territórios que, no passado colonial, pouco valiam. O mundo já foi muito mais selvagem do que os tempos atuais e, muitas vezes para tratados valerem, era preciso se impor pela espada, ou mesmo pelo medo do sobrenatural. Enfim, algo que colocasse os homens sob ameaça, caso tentassem quebrar a palavra.

As navegações do século XV e XVI trouxeram novas visões de mundo para o continente europeu. Mas mundo afora isso já estava em prática. O navegador mongol muçulmano Zheng He, a serviço da China Ming, já percorria os mares do Atlântico sul no início do século XV, segundo o oficial da Marinha britânica, Gavin Menzies. E não só isso. Os nórdicos da Noruega avançaram sobre a Islândia, Groenlândia e, mais tarde, Canadá. Porém em nenhum desses casos fora da Europa havia a intenção de colonizar as terras descobertas. Havia casos de colonos e suas famílias, como ocorreu no Canadá do ano 1000 em diante(chamado de Vinlandia), porém tais habitações duravam pouco. Ou mesmo só para extrair riquezas, como foram o saque de muitos reinos africanos e asiáticos.

O processo colonizador começou mesmo no século XV, após a frustração da época das cruzadas. A morte de Marco Polo no século XIV encerra um período de geógrafos lendários(e às vezes ainda delirantes), no qual a Europa era fascinada pelas culturas árabe, persa, mongol e, principalmente, chinesa. Após isso viriam a peste negra e as navegações. Mas, mesmo na baixa idade média, não havia pouca cultura na Europa, como se imagina. E Marco Polo não foi o primeiro europeu a pisar na China. Antes dele veio um comerciante judeu italiano chamado Jacob d'Ancona. Ele veio na época da dinastia Song, e presenciou o ataque dos mongóis sob Kublai Khan. Escreveu um livro chamado Cidade da Luz, que possui muito mais detalhes sobre a China que o veneziano Marco Polo.

Quando Constantinopla foi tomada pelos turcos em 1453, foi fechada a passagem por terra para muitos europeus. O mediterrâneo era um mar fechado pelos venezianos. Então a saída era dar a volta, pelo litoral da África, indo até a Ásia. Ou para o ocidente, como fez Cristóvão Colombo. Tudo isso era para alcançar as especiarias das índias. As Índias era uma localização geográfica que englobava não só a Índia, mas todo o leste africano, e até mesmo as áreas da Península da Indochina, onde muita coisa ainda iria acontecer.

Quando o processo colonial do novo mundo começou, também se fez necessário tratados entre as potências que tomavam posse das terras do hemisfério sul do planeta. Tratados como Tordesilhas, Madri, Santo Ildefonso, Alcáçovas, Saragoça, etc. E estes tratados quase nunca eram respeitados. Para começo de conversa, as pessoas dos séculos XV e XVI não tinham quase nenhum senso de nacionalidade. O homem não era um patriota. Ele era fiel ao seu príncipe, assim como sua religião. Assim, um morador da Normandia, norte da França, não era cidadão francês, muito menos inglês. Era um súdito do rei da Inglaterra, pois aquele território era parte do reino inglês. Basta lembrar que Carlos V, Sacro imperador da Germânia do século XVI, governava súditos falantes de catalão, basco, castelhano, náhuatl, alemão, quíchua e italiano. E não só isso, mas em pleno século XX, durante a segunda guerra, vários poloneses do interior se classificavam como pessoas do lugar.

Em se tratando do século XX, houve a partilha da África tentando se utilizar dos mesmos tratados dos séculos XV e XVI. Já naquela época, as demais potências marítimas não aceitavam o mundo ser partilhado entre as potências ibéricas Portugal e Espanha. Logo Inglaterra, França e as Províncias Unidas(Holanda) iriam se lançar aos mares. Portanto, se 400 anos antes as potências não aceitavam divisões desiguais, quanto mais no século XX. A Conferência de Berlim(1884-1885) tentou a partilha da África. Mas os ingleses não viam com bons olhos o avanço do imperialismo alemão. Então tais rivalidades não puderam ser resolvidas em uma mesa de conferência, mas sim com explosivos, gases venenosos e tanques. Estava iniciada a primeira guerra mundial. O mundo não mais pertencia aos ideais de D. Quixote de la mancha…

Portanto, as rivalidades entre as potências do norte em relação às colônias do Sul do planeta, raras vezes puderam ser resolvidas através de tratados. E parodiando o fantástico cantor brasileiro Ney Matogrosso, em seu não existe pecado do lado de baixo do Equador, pode-se dizer que esta não foi a única falta que as grandes navegações, e o futuro imperialismo, deixaram a desejar…

Referências Bibliográficas

1. Revista História Viva GRANDES TEMAS: Mar Português. Editora Duetto. nº14. Dezembro, 2009. São Paulo.
2. Revista História Viva GRANDES TEMAS: As muitas conquistas da América. Editora Duetto. nº23. Agosto,2010. São Paulo.

sábado, 24 de dezembro de 2022

Olof Skötkonung - O nascimento do cristianismo sueco 🇸🇪🇸🇪🇸🇪

A história dos povos nórdicos, e a conversão deles ao cristianismo, é tema de um longo repertório de pesquisas, inclusive pelo revisionismo que levou à "europeização" da História a partir do século XIX. Desde os pagãos como Rurik, até cristãos como Olof, ou mesmo Gustavo de Vasa, cerca de 600 anos depois.

O fenômeno do celtismo, comum na Europa do século XIX, procurava recuperar as raízes dos povos europeus, e os escolhidos foram os celtas, normalmente retratados com capacetes e chifres, imagem também reconhecida nos vikings. E este estereótipo era desconhecido por cronistas da antiguidade, como Jordanes, ao escrever sobre os godos do período final do império romano. E este fenômeno que deu um certo glamour ao estudo sobre os chamados povos do norte, ou normandos.

As origens históricas(e míticas) dos povos do norte remetem a ilha de Gotland, à leste de Gothia, que seria o conjunto de terras que hoje forma Suécia e Noruega. Gotland, que se estende desde Malmo, ao sul, até os lagos setentrionais Vener e Veter. O Veter delimita Ostergotland(Gotland do leste, donde vieram os ostrogodos) e Vastergotland(Gotland do oeste, donde vieram os Visigodos). Era ali, entre o oeste e o leste de Gothia, no castelo de Ovralid, perto de Vadstena, que Heidenstam, o poeta, evocava a antiguidade da Suécia: "Scandza insula, vagina nationum"(a ilha de Scanza, matriz da nação). Daqui surgem os escandinavos, de acordo com Jordanes, na sua descrição da origem dos povos godos. Já desde 4.000 a.C., no período neolítico, a tribo Svear(donde veio o nome Suécia mais tarde) ocupava a região do lago Mälaren. Porém a história escandinava estava apenas no início.

A História da Suécia ganha notoriedade com o reinado de Olavo, o Grande. O 1º rei cristão sueco. Olof Skötkonung, às vezes estilizado como Olaf, o Sueco (980–1022), foi rei da Suécia, filho Érico VI da Suécia, apelidado o vitorioso e, de acordo com fontes islandesas, Sigrid, a orgulhosa. Ele sucedeu seu pai em 995, e está no limiar da história registrada, pois é o primeiro governante sueco sobre o qual existe conhecimento substancial. Ele é considerado o primeiro rei conhecido por ter governado tanto os suecos quanto os godos . Na Suécia, o reinado do rei Olavo é considerado a transição da era Viking para a Idade Média, pois foi o primeiro rei cristão dos suecos, que foram os últimos a adotar o cristianismo na Escandinávia. Ele está associado a uma crescente influência da igreja no que hoje é o sudoeste e centro da Suécia. As crenças nos deuses nórdicos persistiram em partes da Suécia até o século XII.

Os vikings suecos eram conhecidos como varegues ou varangianos. De acordo com a Crônica Primária de Kiev, do século XII, um grupo de varangianos, conhecidos como "Rus", estabeleceu-se em Novgorod em 862 sob a liderança de Rurik. Antes de Rurik, os 'Rus' podem ter governado uma política hipotética anterior chamada 'Khanato Rus'. O parente de Rurik, Oleg, conquistou Kiev em 882 e estabeleceu o estado de 'Kievan Rus', que mais tarde foi governado pelos descendentes de Rurik.

Atraídos pelas riquezas de Constantinopla, os varegues começaram as guerras com os bizantinos, algumas das quais resultaram em tratados comerciais vantajosos. Pelo menos desde o início do século X, muitos varangianos serviram como mercenários no exército bizantino, constituindo a Guarda Varangiana de elite (os guarda- costas dos imperadores bizantinos). Eventualmente, a maioria deles, em Bizâncio e na Europa Oriental, foram convertidos do paganismo nórdico ao cristianismo ortodoxo, culminando na cristianização da 'Rus' de Kiev em 988. Coincidindo com o declínio geral da Era Viking, o influxo de escandinavos a 'Rus' parou, e os varegues foram gradualmente assimilados pelos eslavos orientais no final do século XI.

Porém neste texto será tratado, de acordo com crônicas islandesas e germânicas, a história de Olavo, o primeiro rei cristão da Suécia. Pouco se sabe, a não ser por crônicas ou poemas suecos do passado, quais reis foram seus antecessores. Não se sabe se ele era sucessor de Rurik, considerado o pai dos varegues. Mas a sua história já é bem documentada, considerando reis varegues anteriores.

O "sobrenome" do rei tem uma etimologia ainda obscura. Na realidade, em tempos antigos as pessoas não tinham sobrenome, mas sim apelidos. E era muito comum entre reis vikings, como "Erik, o Machado sangrento", "Harald, o dente azul", etc. Uma das muitas explicações para o nome Skötkonung é que ele é derivado da palavra sueca "skatt", que pode significar "impostos" ou "tesouro". O último significado foi interpretado como "rei tributário" e um estudioso inglês especula sobre uma relação tributária com o rei dinamarquês Sweyn Forkbeard , que era seu padrasto. Essa explicação, no entanto, não é apoiada por evidências ou fontes históricas. Outra possível explicação para o nome refere-se ao fato de ter sido o primeiro rei sueco a cunhar moedas. Uma antiga cerimônia de posse de terra que colocava uma parcela de terra no colo de alguém (sueco: sköte ) era chamada de scottinge pode ter estado envolvido neste epíteto.

Nosso conhecimento do rei Olavo da Suécia é baseado principalmente nos escritos de Snorri Sturluson(1179-1241), que era um historiador, poeta e político islandês e nos escritos de Adam de Bremen(?1048 - ?1084), cronista alemão do feudo de Meissen. Mas ambos foram alvo de críticas de estudiosos, pois os contos e poesias vikings costumavam ser exagerados. O relato mais antigo do cronista eclesiástico alemão Adam de Bremen, em 1075, relata que Sweyn Forkbeard foi expulso de seu reino dinamarquês pelo rei sueco Erico, o Vitorioso, no final do século X. Quando Eric morreu em 995, Sweyn voltou e recuperou seu reino, casando-se com a viúva de Eric. Enquanto isso, Olavo sucedeu seu pai Érico VI, reuniu um exército e lançou um ataque surpresa contra Sweyn. O rei dinamarquês foi mais uma vez expulso, enquanto Olavo ocupava suas terras. Depois disso, no entanto, o conflito foi resolvido. Como Sweyn se casou com a mãe de Olavo, ele foi reintegrado no trono dinamarquês e os dois reis foram posteriormente aliados. Snorri Sturluson, em 1230, e os outros escritores da saga islandesa também dizem que Sweyn se casou com a mãe de Olavo após a morte do rei Érico VI, mas sem mencionar nenhum conflito. Além disso, Snorri descreve Sweyn e Olavo como aliados, em pé de igualdade, quando derrotaram o rei norueguês Olav Tryggvason na Batalha de Svolder no ano 1000 e, posteriormente, dividiram a Noruega entre eles. Acredita-se que o relato de Adam sobre as derrotas de Sweyn nas mãos de Érico VI e Olavo é parcial, e pode ter sido mal interpretado; o casamento com a mãe de Olavo pode de fato ter selado a posição privilegiada de Sweyn frente ao rei sueco.

De acordo com Snorri, Olavo liderou uma expedição viking a Wendland(uma província da Baixa Saxônia) no início de seu reinado. Ele capturou Edla, filha de um chefe Wendish, e a manteve como amante. Ela deu a ele o filho Edmundo(que se tornaria rei da Suécia), e as filhas Astrid(mais tarde esposa de Olavo II da Noruega) e Holmfrid (casada com Sven Jarl da Noruega). Mais tarde, ele se casou com Estrid dos Obotritas, e ela lhe deu o filho Anund Jacob e a filha Ingegerd Olofsdotter.

Enquanto Adam de Bremen elogia Olavo como um bom cristão, os autores islandeses pintam uma imagem desfavorável do rei como arrogante e espinhoso. Diz-se que o rei Olavo preferia os esportes reais à guerra, o que pode explicar a facilidade com que Sweyn Forkbeard retomou as terras dinamarquesas que o pai de Olavo, Érico VI, havia conquistado. Olavo também pode ter perdido o direito ao tributo que seus predecessores haviam preservado no que hoje é a Estônia e a Letônia.

Quando o reino norueguês foi restabelecido por Olavo II da Noruega em 1015, uma nova guerra eclodiu entre a Noruega e a Suécia. Há um relato circunstancial disso na obra de Snorri Sturluson. Como ele escreve, muitos homens na Suécia e na Noruega tentaram reconciliar os reis. Em 1018, o primo de Olavo, o conde de Västergötland, Ragnvald Ulfsson, e os emissários do rei norueguês, Björn Stallare e Hjalti Skeggiason, chegaram à propriedade de Uppsala na tentativa de convencer o rei sueco a aceitar a paz e, como garantia, casar sua filha Ingegerd Olofsdotter com o rei da Noruega. O rei sueco ficou muito zangado e ameaçou banir Ragnvald de seu reino, mas Ragnvald foi apoiado por seu pai adotivo Thorgny, o orador da lei.

Thorgny fez um discurso poderoso no qual lembrou ao rei as grandes expedições vikings no Oriente, que predecessores como Erik Anundsson e Björn haviam empreendido, sem ter a arrogância de não ouvir os conselhos de seus homens. O próprio Thorgny participou de muitas expedições de pilhagem bem-sucedidas com o pai de Olavo, Érico VI, o vitorioso, e até mesmo ele ouviu seus homens. O atual rei não queria nada além da Noruega, que nenhum rei sueco antes dele havia desejado. Isso desagradou o povo sueco, que estava ansioso para seguir o rei em novos empreendimentos no Oriente para reconquistar os reinos que pagavam tributo aos seus ancestrais, mas era desejo do povo que o rei fizesse as pazes com o rei da Noruega, e desse a ele sua filha Ingegerd como rainha.

A lei westrogótica, de 1240, é a primeira crônica sueca breve, que começa com Olof Skötkonung. Relata que Olavo foi batizado na Igreja de Husaby, em Västergötland, pelo missionário Sigfrid, e fez generosas doações ao local. Na igreja paroquial de Husaby há uma placa comemorativa de seu batismo. E, nas proximidades, acredita-se que seja a mesma fonte sagrada onde Olavo foi batizado. Ele foi o primeiro rei sueco a permanecer cristão até sua morte. No entanto, as circunstâncias sobre seu batismo não são claras. Um documento de 1008 diz que um certo bispo, despachado pelo arcebispo Bruno de Querfurt, visitou a tribo Suigi e conseguiu batizar o rei, cuja rainha já era cristã. E mil pessoas, e sete comunidades, seguiram seu exemplo. Os Suigi às vezes foram identificados como suecos, embora isso tenha sido rejeitado por vários outros estudiosos. Por outro lado, a cunhagem de moedas do rei Olavo indica que ele já era cristão na época de sua ascensão em 995.

igreja de Husaby, local provável do batismo do rei Olavo, o tributário

De acordo com Adam de Bremen, Olavo planejava derrubar o templo de Uppsala, que era supostamente um importante centro de culto pagão. O fato de grande parte dos suecos ainda serem pagãos o forçou a abandonar esse objetivo. Os pagãos, cansados de seus planos, fizeram um acordo com Olavo no sentido de que, se ele quisesse ser cristão, deveria exercer sua autoridade real em uma província de sua escolha. Se ele fundasse uma igreja, não deveria forçar ninguém a se converter. Olavo se contentou com isso, e instalou um bispado na província de Västergötland, mais perto da Dinamarca e da Noruega. A pedido de Olavo, o arcebispo de Hamburgo-Bremen ungiu Thurgot como o primeiro bispo em Skara. Este Thurgot teve sucesso em disseminar o cristianismo entre os godos ocidentais e os godos orientais.

A lenda de São Sigfrid, conhecida desde o século XIII, relata que o ainda pagão rei Olavo dos suecos chamou o arcebispo inglês de York, Sigfrid, para ensinar a nova fé em seu reino. No caminho, Sigfrid e seus três sobrinhos chegaram a Värend, no sul de Småland, onde as doze tribos locais endossaram o cristianismo em uma assembleia. Sigfrid deixou seus sobrinhos para cuidar dos assuntos em Värend e foi para a corte do rei Olavo, onde o rei e sua família foram batizados. Enquanto isso, uma reação pagã em Värend custou a vida dos sobrinhos, cujas cabeças foram afundadas no lago Växjö. Ouvindo sobre isso, Sigfrid voltou para Värend, onde as cabeças foram descobertas por um milagre. O rei Olavo então apareceu em Värend com uma força, puniu os assassinos e forçou os habitantes locais a ceder propriedades à Igreja. Se a lenda reflete a expansão do reino de Olavo para o sul, é incerto. A história parece incorporar vários elementos para legitimar o estabelecimento do Bispado de Växjö em 1170. No entanto, sabe-se de Adam de Bremen, que um missionário inglês chamado Sigfrid pregou entre os suecos e godos na primeira metade do século XI.

Pode-se afirmar que as conversões vikings ao cristianismo começaram logo que conheceram a nova fé. Mas as conversões foram lentas. Mesmo assim, a maioria abraçou a nova fé com fervor. Tanto que, quando surgiu a empreitada cristã europeia conhecida como Cruzadas, muitos normandos as lideraram. Desde Godofredo de Bulhões, que se tornou o 1° rei cristão de Jerusalém, até Tancredo da Sicília, bem conhecido na primeira cruzada. A velha religião foi declinando aos poucos, e os ataques vikings se tornaram coisa do passado. Mas, segundo Jörmundur Ingi, líder dos pagãos islandeses, algo sempre ainda resta. "O gado morre, os parentes morrem, todo homem é mortal", diz um poema islandês. "Só uma coisa não morre: A glória dos grandes feitos."

A julgar pela cronologia dos eventos de Snorri Sturluson, o rei Olavo da Suécia morreu de morte natural no inverno de 1021–1022. Adam de Bremen afirma que morreu aproximadamente ao mesmo tempo que Cnut, o Grande(1035), da Dinamarca, o que certamente seria tarde demais.

Interessante saber sobre uma história viking que se passou há mil anos atrás, que só foi resgatada por causa das tradições e poemas vikings islandeses e germânicos, além das pedras rúnicas suecas, que ajudam a desvendar escritas antigas. Porém sempre haverá quem fantasie por demais as lendas vikings nos cinemas, fazendo até sátiras, como Erik, o viking, de Terry Jones(1989), em que satiriza o modo como as pessoas veem a história dos povos nórdicos. Mesmo assim, muitas coisas são válidas, ainda que falsas, para que o maior número de pessoas possível possa ver as belezas da história…

Olof Skötkonung, como imaginado por Ansgar Almquist na década de 1920, estátua na Prefeitura de Estocolmo.

Referências Bibliográficas

1.MOLITERNO, Sergio. Suécia. In:ENCICLOPÉDIA Geografia Ilustrada, vol II.Edição Abril Cultural. São Paulo, Brasil. 1972. 4 volumes.
2.QUESADA, Pedro. Os Vikings. Coleção Expedição.Tradução:Maria Leonor Buesco e Mauro Vilar. Editora Civilização Brasileira. CELBRASIL, Lisboa, Portugal.
3.REVISTA HISTÓRIA VIVA:GRANDES TEMAS. A Saga Viking.nº21.Julho,2012.
4.VESILIND, Priit J. Revista National Geographic Brasil. Ensaio:Na trilha dos vikings. Tradução:Heloisa Jahn.Editora Abril. Volume I, nº 1. P.118-143.Maio,2000.

quarta-feira, 21 de dezembro de 2022

Branca de Neve : Da antiga Germânia para a Disney

No dia 21 de dezembro de 1937 era lançado nos cinemas um clássico dos contos de fadas: a animação Branca de Neve e os Sete Anões. Foi o primeiro filme totalmente a cores do mundo, além de marcar a estreia dos Estúdios Disney nas produções de longa-metragem. A história é baseada em um conto dos Irmãos Grimm.

O orçamento inicial era de US$ 150 mil, mas acabou custando US$ 1,5 milhão, um valor exorbitante para a época. A produção da animação durou 4,5 anos. A parte mais difícil foi chegar a um desenho final dos anões. O filme arrecadou 8 milhões de dólares ao redor do mundo. Na época, foi brevemente a maior bilheteria de um filme sonoro. A popularidade de Branca de Neve o levou a ser relançado nos cinemas várias vezes nas décadas seguintes, até seu lançamento em home vídeo nos anos 90.

Havia inúmeras diferenças entre o desenho do Walt Disney e o conto alemão do século XIX. Para começo de conversa, a história que conhecemos hoje em dia não surgiu de primeira. Antes dela, a equipe de roteiristas da Disney já havia escrito outras versões, onde a Rainha Má tentava acabar com Branca de Neve utilizando um pente envenenado, o príncipe Florian era capturado pela vilã, e com os anões construindo uma cama maior para a princesa dormir confortavelmente em sua casa. No conto original, nenhum dos anões possuía nome. Walt Disney que surgiu com a ideia de nomes que coincidissem com as suas próprias personalidades. Dunga, inclusive, foi o último a ser escolhido e passou muito tempo sendo chamado apenas de Sétimo, já que a equipe não conseguia decidir qual característica dar ao personagem. A rainha má da história teve sua história inspirada, em primeira mão, em uma condessa alemã do século XI chamada Uta von Ballenstedt, esposa do margrave Eckard II, de Meissen, que era parte do império germânico medieval. Na realidade, a rainha má da Branca de Neve era inspirada na estátua da condessa.

Em 1937, muitas pessoas achavam uma loucura o projeto da Disney de criar uma animação com mais de uma hora de duração — já que ninguém havia feito nada parecido até então. Por isso, as manchetes dos jornais da época continham a frase “A loucura da Disney”. Porém, após o lançamento e o grandioso sucesso do filme, o The New York Times, um dos jornais mais importantes dos Estados Unidos, mudou sua manchete para “Muito obrigado, sr. Disney”.

Branca de Neve e os sete anões teve um enorme impacto cultural, resultando em atrações nos parques temáticos da Disney, videogames e livros. Foi classificado na lista dos melhores filmes dos Estados Unidos segundo o American Film. Isso tudo há 85 anos atrás. Direto do túnel do tempo...

segunda-feira, 28 de novembro de 2022

A Concordata de Worms - O berço do estado laico ocidental

Quando se fala do estado ser laico, muitos não sabem que isso foi feito de uma forma gradual no decorrer dos séculos. Não só dos séculos da era cristã, mas até antes dela. Por causa do intenso papel religioso no estado, a maioria dos impérios do passado não via a possibilidade dessa separação. Por isso, não precisa dizer que ateísmo é uma ideia recente. Se falando em ateísmo científico podemos dizer que remonta a meados do século XVIII, às vésperas da Revolução Francesa.

Em termos de antiguidade a separação da religião em meio ao estado surgiu na Grécia antiga. Ali foi o 1° lugar em que a medicina e a religião começaram a separar-se. A era greco-romana trazia um caminho promissor nessa área, porém houve a cristianização do império romano com o Edito de Tessalônica em 380 AD, pelo imperador Teodósio I.

Após a queda do império romano, a Europa se fragmentou. E levaria mais de 300 anos até a Europa se ver unificada política e religiosamente, sob Carlos Magno, rei dos francos e dos lombardos. Este rei tinha uma grande amizade pelo papa Adriano I. Porém, com a morte do pontífice, houve uma formação de um papado monárquico, que será preciso explicar como isso deu início.

Antes de mais nada, é preciso explicar que nem sempre o papado teve esse poder político medieval. As coisas não ocorrem da noite para o dia. O século X, período dos imperadores otônidas, ficou conhecido como saeculum obscurum(o século das trevas). Boa parte do que se conhece a idade média como idade das trevas vem daqui. Foi um período de intrigas e batalhas constantes, de papas e antipapas. Basta pensar na exumação macabra do papa Formoso, depois de nove meses de morto, para que seu corpo pudesse ser julgado. Seu corpo foi sentenciado, o dedo de sua mão direita(com a qual dava benção) foi cortado, e seu cadáver atirado no rio Tibre. Porém o castigo veio, literalmente, a cavalo. O papa Estevão VI, responsável pelo julgamento, foi preso e estrangulado após uma revolta popular. Já o corpo de Formoso foi encontrado, e posteriormente sepultado junto a outros papas. Também pode ser lembrado o governo de terror da "senadora" Marósia, que foi amante de um papa(Sérgio III), assassina de outro(João X) e mãe de um terceiro(João XI). Marosia manteve seu filho preso no castelo de Santo ngelo até que ela mesma foi presa pelo próprio enteado, quando já estava em seu terceiro casamento. Os papas dessa época eram seus instrumentos destituídos de poder. Por isso que, entre Carlos e Magno e a Concordata de Worms, o papado não teria o poder que muitos imaginavam dele.

Durante o reinado de Carlos Magno houve uma formação de nobres fiscalizadores do império franco, como os missi dominici, ou seja, nobres e clérigos que andavam pelo império como fiscais do rei. Após a morte do rei franco, o reino se dividiu pelo Tratado de Verdun(843 AD), e a igreja se fortaleceu. Com a ascensão do império germânico após Luís I, o reino germânico do centro da Europa passou a ser uma monarquia eletiva, onde o imperador era um dos quatro grandes duques alemães(Francônia, Saxônia, Suábia e Baviera), eleito pelos outros três.

No tempo de Oto I, imperador germânico, já havia bispos com poderes condais. E isso iniciou pelo medo dos imperadores germânicos tinha dos nobres. Os imperadores germânicos começaram a distribuir terras aos bispos, fazendo-os funcionários do estado, para contrapor ao poder dos duques, de forma que o trono se tornasse cada vez mais hereditário. Essa ousadia custou bem caro mais tarde.

Sob o pontificado de Nicolau II(Geraldo de Borgonha, bispo de Florença) nasceu o colégio de cardeais(cardinalis, literalmente dobradiças), onde futuramente seriam eleitos os papas. Havia começado ali um protesto de não intervenção do imperador nos assuntos eclesiásticos, elegendo bispos e papas. Mas o berço das transformações veio um pouco antes. Veio em abadias como de Cister e de Cluny, ambas na França, que geraram futuros papas que não mais iriam querer a interferência do estado. Porém não iriam abrir mão da interferência no estado, pela igreja. E essa duplicidade geraria muitos conflitos até o século XIV, e crises até a Reforma Protestante.

Os clérigos reformistas obtiveram apoio dos normandos que haviam se estabelecido no sul da Itália, na Sicília. Além do apoio de Matilde de Toscana, obtiveram o apoio de um movimento chamado pataria, que era um movimento reformista do baixo clero, que era contra a interferência imperial na igreja. Coisas iriam acontecer. O papa Leão IX provocou o racha com os cristãos orientais em 1054. Em 1073 é eleito o papa Gregório VII, ex-monge do grupo reformista(não há provas documentais de que fora cardeal), chamado Hildebrando, para o trono pontificio.

Esse novo pontificado acelerou o processo das investiduras, o questionamento do imperador investir bispos e papas aos cargos eclesiásticos. O antigo monge iria entrar em conflito com o imperador germânico Henrique IV e, apoiado pela nobreza normanda da Sicília, como o caso de Roberto de Guiscard, fez o imperador germânico peregrinar até o castelo de Canossa, onde estava o papa, para prometer não mais tentar investir bispos e papas, mas respeitar as decisões do colégio de cardeais.

Todo esse conflito iria se estender até o sucessor do império, Henrique V, e o papa Calisto II, na Concordata de Worms, em setembro de 1122. Na Concordata ficou estipulado que o imperador faria a investidura temporal(báculo), e o papa faria a investidura espiritual(anel e cruz). E assim o sistema de equilíbrio entre o Papado e o Império, criado por Carlos Magno, e aperfeiçoado pelos otônidas, havia chegado ao fim. O autoritarismo, e a displicência dos imperadores sálicos tinha colocado um ponto final nisso. Os bispos agora não eram mais funcionários do estado, mas vassalos do império. Sem o controle sobre os bispos, os imperadores alemães perderam o controle sobre os duques. Ao mesmo tempo, uma grande parcela de terras do império germânico passa para o controle da igreja. Começava aqui o período de supremacia do poder papal na Europa Medieval. Supremacia esta que teria consequências para rachar a própria Igreja na Reforma Protestante. Reforma que o sucesso se deu principalmente devido à fraqueza do império germânico sob os Habsburgos.

A supremacia do papal, iniciada a partir da Concordata de Worms, deu consequências para a Igreja anos mais tarde. Outros reinos europeus começaram a se prevenir contra a supremacia papal, rejeitando a condição de um papa "juiz de reis cristãos", uma espécie de "Samuel do Antigo Testamento no seio de Roma", que seria imitado por outros reinos mais tarde, ao misturar política e religião.

Essa supremacia gerou o papa Inocêncio III, o mais absolutistas dos papas da história da Igreja, que coordenou o quarto Concílio de Latrão, gerou a quarta cruzada, que morreu sete meses após o início do Concílio, achado nu em pêlo na catedral de Perugia, roubado pelos próprios criados. E além de gerar este papa, culminou com o papa Bonifácio VIII, que teve seu ápice em Agnani, bem diferente de Canossa. Era o início do século XIV, da guerra dos cem anos e da peste negra. Estas coisas trariam a colheita dos exageros de Gregório VII e Inocêncio III.

Por isso que a Alemanha viria a ser o berço da Reforma Protestante. Pois havia um sentimento de revanchismo em relação ao conflito de Canossa, ou "humilhação de Canossa", como muitos preferiram chamar. O imperador Henrique IV seria visto como uma espécie de herói nacional na Alemanha Protestante do século XIX. Há uma placa, colocada em 1872 por Otto Von Bismarck, que mostra muito bem este sentimento. Diz "Nach Canossa gehen wir nich" (nós não iremos para Canossa). E até se esquece que o próprio Papa Gregório VII teve que fugir após uma virada que o imperador Henrique IV deu no império. Haveria de morrer fora de Roma, em fuga. Suas últimas palavras foram:"Amei o que é correto e odiei a iniquidade, portanto, morro no exílio". Hoje, em seu período mais secular, o mundo oferece à Igreja muito mais um futuro de Agnani do que de Canossa. A história da Igreja se desenvolveu para resultar nessa resposta.

"Que a igreja obtenha o que é de Cristo, e que o imperador tenha o que é seu" ( Obtineat Aecclesia quod Christ est, habeat imperator quod suum est) Papa Calixto II ao Imperador Henrique V, 19 de fevereiro de 1122

Referências bibliográficas

1)KÜNG, Hans. A IGREJA CATÓLICA. Editora Objetiva. 2001.
2)ARRUDA, José Jobson de Andrade. História Antiga e Medieval. 3ª Edição. São Paulo:Ática,1979.

sábado, 24 de setembro de 2022

Os Camisas negras do Brasil - O nascimento da democracia

Quando estudamos história geral, aprendemos sobre os camisas negras de Milão de Benito Mussolini, na Itália fascista. Estes eram grupos paramilitares que lutavam para oprimir um país. Mas aqui no Brasil, no início dos anos 90, surgiu um movimento que vestia camisas negras, mas para libertar um país de uma onda de corrupção e medo do novo. E eu fiz parte desta história.

Há exatos 30 anos atrás houve um movimento político-estudantil no Brasil chamado caras-pintadas. Foi consequência da experiência da primeira eleição direta pós regime militar, em 1989. E esta eleição só ocorreu por causa da pressão exercida pelo movimento Diretas Já em 1984.

Em 1989, depois de 29 anos que o presidente Jânio Quadros foi eleito, veio uma eleição direta(fruto do movimento Diretas Já em 1984)no Brasil, com o carioca Fernando Collor de Mello(PRN-AL), sendo eleito por uma pequena margem de votos (42,75% a 37,86%) sobre o candidato Luiz Inácio Lula da Silva(PT-SP), em campanha que opôs dois modelos de atuação estatal: um pautado na redução do papel do Estado(Collor) e outro de forte presença do Estado na economia(Lula). E muitas pessoas que não viveram aquela época não sabem, mas o então presidente Fernando Collor de Mello tinha metas ideológicas bem parecidas com as do atual presidente Jair Messias Bolsonaro. A diferença, que se considera crucial, é que na época de Fernando Collor não havia internet, nem inteligência artificial, nem as chamadas fake news(na prática, havia), ou as deepfakes. Mas era respaldado pelo antigo medo do comunismo(estava próximo da queda da URSS), enaltecido pelas igrejas católicas e evangélicas. Parece algo bem atual, mas era a década de 90 do século XX.

Fernando Collor se autodenominou "caçador de marajás", que combateria a inflação e a corrupção, e que era o "defensor dos descamisados". Muitos se lembram desses estigmas do ex-presidente. Lula, por sua vez, apresentava-se à população como entendedor dos problemas dos trabalhadores, notadamente por sua história nos sindicatos do ABC paulista.

Nos primeiros 15 dias de mandato, Collor lançou um pacote econômico, que ficou conhecido como Plano Collor, e que bloqueou o dinheiro depositado nos bancos de pessoas físicas e jurídicas, que era tão conhecido na América do Sul como corralito. Entre as primeiras medidas para a economia, houve uma reforma administrativa que extinguiu órgãos e empresas estatais e que promoveu as primeiras privatizações, abertura do mercado brasileiro às importações, congelamento de preços e prefixação dos salários. Embora inicialmente tenha reduzido a inflação, o plano trouxe a maior recessão da história brasileira, até então, resultando no aumento do desemprego e quebra das empresas. Aliado ao plano, o presidente imprimia uma série de atitudes, características de sua personalidade, que ficou conhecida como o "jeito Collor de governar". Por trás do jeito Collor, montava-se um esquema de corrupção e tráfico de influência que veio à tona em seu terceiro ano de mandato.

Era comum assistir a exibições de Collor praticando esportes, voando em caças da FAB, subindo a rampa do Planalto e acenando para os fãs, comportamentos estes que exaltavam suas supostas jovialidade, arrojo, combatividade e modernidade. Todos expressos em sua notória frase "tenho aquilo roxo". Parece com algo dos dias atuais, não? Inclusive, sempre tinha um grupo de pessoas à volta da Casa da Dinda, como era conhecida. Era o “cercadinho” do presidente na época.

De repente, o jeito Collor de governar encontrou os primeiros problemas, que vieram da própria família, inesperadamente para o presidente. Em reportagem publicada pela revista Veja, na sua edição de 13 de maio de 1992, Pedro Collor de Mello, o irmão do presidente, acusava o tesoureiro da campanha presidencial, o empresário Paulo César Farias, de articular um esquema de corrupção de tráfico de influência, loteamento de cargos públicos e cobrança de propina dentro do governo. A mãe do presidente tentou invalidar o filho Pedro Collor como deficiente mental. Não conseguiu. Pedro Collor apresentou, em uma coletiva de imprensa, seu laudo de sanidade mental. Os reveses na família Collor estavam só no início.

O chamado "esquema PC" teria, como beneficiários, integrantes do alto escalão do governo e o próprio presidente. No mês seguinte, o Congresso instalou uma Comissão Parlamentar de Inquérito(CPI) para investigar o caso. Durante o processo investigatório, personagens como Ana Acioli, secretária de Collor, e Francisco Eriberto, seu ex-motorista, prestaram depoimento à comissão confirmando as acusações e dando detalhes do esquema. O grande problema é que, a todo tempo, se via acusações contra muitos neste esquema. Mas nada se via de ligações com o presidente da república. Até que um belo dia o presidente, em seus desfiles de exibição, aparece andando num Fiat Elba, em que ninguém sabia quem tinha pago pelo carro. Então as investigações mostraram que o carro havia sido pago por um dos fantasmas do PC Farias, um tal de Bonfim. Foi usado um cheque administrativo do Banco Rural(quem lembra disso?). Estava comprovado o envolvimento do presidente.

Um dos expedientes utilizados por PC Farias era abrir contas "fantasmas" para realizar operações de transferência de dinheiro arrecadado com o pagamento de propina, e desviado dos cofres públicos para as contas de Ana Acioli. Além disso, gastos da residência oficial de Collor, a chamada Casa da Dinda, eram pagos com dinheiro de empresas de PC Farias.

A partir daí, os acontecimentos se sucedem freneticamente. No dia 3 de agosto o ex-secretário de imprensa da presidência, Pedro Luís Rodrigues, avisa que não pretende se despedir de Collor ao deixar o governo. A executiva nacional do PT(Partido dos Trabalhadores) decide promover uma série de comícios no país pela aprovação do Impeachment. Neste momento da minha vida, eu estava na Igreja. Uma denominação evangélica, ainda existente hoje, chamada Projeto Vida Nova. Eles me aconselharam a não tomar parte em nada disso, pois diziam que os partidos comunistas do Brasil queriam derrubar o presidente. E que corríamos risco de sermos dominados pelo famoso Marxismo Cultural, que ameaçava a fé cristã pelo mundo. As mesmas desculpas de sempre. Temiam o fechamento das igrejas, caso o PT tomasse o poder. Como já estava deixando o conservadorismo lunático naquela época, desprezei o conselho deles. Nunca me arrependi. Pelo contrário, teria me arrependido se não tivesse tomado parte nessa história.

A seguir, começam os “ratos a abandonar o navio”. No dia seguinte, o ex-ministro da educação, José Goldemberg, declara que foi "enganado e burlado" por Collor. Depois o governo, numa tentativa desesperada para adiar o inevitável, decide que o prazo ideal para enfrentar a oposição na votação do impeachment será depois das eleições de 3 de outubro. Por causa desses acontecimentos, o presidente resolveu, numa quinta-feira dia 13 de agosto, fazer um apelo à população brasileira. E assim, o presidente da república, em pronunciamento, aproveitando uma manifestação de taxistas em favor dele, em seu “cercadinho”, ele disse:

"E essa é uma mensagem que eu dirijo a todo Brasil. A todos aqueles que têm essa mesma profissão de fé. Que saiam no próximo domingo de casa, com uma peça de roupa, numa das cores da nossa bandeira. Que exponham nas suas janelas. Toalhas, panos, o que tiver nas cores da nossa bandeira. Porque assim, no próximo domingo, nós estaremos mostrando onde está a verdadeira maioria."

E então, no domingo dia 16 de agosto, muitos foram às ruas. Mas não com as cores que o presidente esperava. A maioria de preto. Sim, éramos os camisas negras do Brasil. Em princípio, não tinha as caras pintadas. Até uma menina chamada Cecília Lotufo, que mais tarde seria a primeira pessoa a ser registrada com a cara pintada frente às câmeras de TV, sabia que em princípio não havia essa ideia.

No dia 26 de agosto foi aprovado por 16 votos a 5, o relatório final da comissão que constatou, também, que as contas de Collor e PC Farias não haviam sido incluídas no confisco de 1990. Foi pedido, então, o Impeachment do presidente. Com o tempo, e no decorrer dos dias, até a votação do impeachment na Câmara dos Deputados no dia 29 de setembro, as caras vieram com mais cores. Eu lembro que cantávamos a seguinte marchinha, que também havia sido cantado nas marchas do PT na época de campanha eleitoral, na empolgação da juventude colorida em passeata:

O Collor vai ganhar!!!
Uma passagem pra morar em outro lugar…
Não vai de trem, nem metrô ou avião
Vai algemado no camburão
Eita Collor ladrão!

O mais impressionante foi a posição das igrejas na época. Com o tempo, elas foram aderindo. Mas no início, no dia 16 de agosto, o medo do comunismo era mais forte que o combate à corrupção do governo Collor.

Finalmente, em 29 de setembro, a Câmara dos Deputados votou a favor da abertura do processo de impeachment de Collor por 441 votos a favor e 33 contra. O voto que mais me chamou a atenção foi do então deputado Roberto Jefferson, que disse: "Deixo aqui o meu protesto, em prol de se investigar todos os corruptos, e não apenas alguns. O meu voto é não!"

No dia 2 de outubro, Collor é afastado da Presidência até o Senado concluir o processo de impeachment. O vice-presidente Itamar Franco assume provisoriamente o governo e começa a escolher sua equipe ministerial. No dia 29 de dezembro, Collor renuncia à presidência para evitar o Impeachment. Entretanto, no dia 30, por 76 votos a 3, ele teve seus direitos políticos cassados por oito anos.

Quando me dispus a pintar a cara de verde e amarelo em 1992, meus pastores foram contra. Diziam ser "coisa de comunista'. Talvez porque não vestimos camisa verde e amarela. E nem camisas vermelhas, como podia-se pensar. Vestíamos camisas negras. Aos gritos de "fora Collor", realmente éramos de maioria PT. Eu era do PV(Partido Verde) e mal conhecia o PT na época. Mas os pastores, e até padres, ficaram apavorados, pois comunistas tinham fama de ser 'anti-religião'. Mas eu estava lá, com ou sem aval de pastores. A parcialidade, e o "deus mamom satânico" das denominações, nunca deveria servir de viés de caminho para cristão nenhum. Aquilo que fiz em agosto e setembro de 1992(para nós foi o setembro negro de fato), ficará para sempre na minha memória.

segunda-feira, 25 de julho de 2022

O forte do Cabo Bretão

Durante a Guerra dos Sete Anos(1756-1763), uma fortaleza nas Américas na Nova Escócia, em território canadense, conseguiria resistir a vários ataques ingleses. Era forte da Ilha Roayle, mais tarde chamada Ilha do Cabo Bretão.

Construída em 1713, durante a Guerra de Sucessão Espanhola(1701-1714), a fortaleza representou um marco da resistência francesa nas Américas. Esta guerra opunha praticamente toda a Europa contra franceses e espanhóis, por um medo europeu de uma aliança franco-espanhola, com a ascensão de Felipe D'Anjou(se tornaria Felipe V da Espanha) ao trono espanhol, após o rei Carlos II da Espanha morrer sem herdeiros diretos.

A Guerra de Sucessão Espanhola foi vencida pela França e a Espanha, mas deixou ambas bem destruídas. A Espanha perdeu sua hegemonia para sempre. E a França ainda teria problemas mais sérios à frente. Foi uma guerra onde se tentou frear a ambição megalomaníaca de Luís XIV, no geral sem sucesso por parte do continente europeu.

Ao término da Guerra de Sucessão Espanhola em 1714, os conflitos entre ingleses e franceses continuaram nas Américas. O forte do Cabo Bretão permanecia firme e forte em mãos francesas. Mas a Inglaterra era a melhor marinha do mundo, sendo assim eles travavam os navios franceses, com reforços atravessando o Atlântico. Em 1748 ele seria cedido à França pelo Tratado de Aix-la-Chapelle.

Em 1756 começou a Guerra dos Sete Anos(1756-1763), em que não só atingiu todo continente europeu, mas também Ásia, África e América do Norte. Antes de lados opostos, agora França e Áustria seriam aliadas num pacto anti Protestante, contra a Prússia e a Inglaterra. Porém, na prática, foi o rei Frederico II da Prússia sozinho contra Áustria(e depois a Rússia) em solo europeu. Isso porque França e Inglaterra resolveram concentrar seus esforços nas batalhas das colônias da Índia e da América do Norte.

Sabendo do pacto franco-austriaco, a Inglaterra firmou o Tratado de Westminster com a Prússia de Frederico II. Mas a ajuda inglesa era resumida a poucas tropas e empréstimos financeiros ao rei prussiano. Na prática, em território europeu, Frederico II estava sozinho.

Frederico conseguiu grandes vitórias porque possuía excelentes generais. Além disso, a França procurou defender suas colônias nas Américas, contra os ataques ingleses. Mas perderam definitivamente a Índia e, em 1758, perderam o forte Roayle para os britânicos definitivamente.

O Tratado de Paris, em 1763, dava vitória à aliança anglo-prussiana. E também entregava definitivamente o forte do Cabo Bretão aos ingleses.

Encerrada a Guerra dos Sete Anos, as consequências viriam para vencidos e vencedores. A França ainda ajudaria os revoltosos colonos da América contra os ingleses em 1781. Mas a ajuda sairia cara, com a queda da monarquia francesa e a instauração da Revolução Francesa em 1789. Já o império Britânico sairia exausto de todas as guerras do século XVIII, mesmo tendo ganho a Índia e o Canadá dos franceses. Sua exaustão seria a porta aberta para a independência de uma de suas colônias, que logo se tornaria a maior potência militar do planeta: Os Estados Unidos da América! Mas isso já é outra história…

segunda-feira, 11 de julho de 2022

Há meio século atrás

Hoje faço meio século de idade. Já é metade de um transcurso de uma vida, muitas vezes desperdiçada, muitas vezes vivida. Sinceramente, tenho um pouco de inveja da geração atual, que tem um mundo mais livre à sua frente, não tendo que lidar com as matutices do passado, ao estilo anos 70, anos 80. Naquela época, muitas coisas hoje aceitas, foram rejeitadas. Era o mundo do "politicamente incorreto", como muitos hoje têm saudades. Eu não tenho. A antiguidade cultural cobra seu preço. Os tempos mais sombrios, enegrecidos pelo fantasma da religião e seus dogmas, do achar que esses dogmas cabem não só as pessoas que professam aquela fé, mas a toda sociedade civil. Esses dogmas se misturam a medicina, psicologia e educação. Trazem benefícios e transtornos para as pessoas que são afetadas por isso. Quantas e quantas vezes vemos vídeos na internet que buscam a nostalgia de tempos passados. E a maioria vem de pessoas nascidas nos anos 80, no mínimo, ou anos 90. Poucos que nasceram nos anos 60 e 70 comentam tais coisas, pois sabem o quanto era difícil. Pessoas eram expulsas de escolas e ambientes de trabalho, por coisas que hoje se curariam com remédios ou psicoterapia. Enfim, o passado nunca foi o ideal para quem vislumbra o futuro.

Quando atingi os meus 12 anos de idade fui colocado, contra a vontade, numa psicoterapia e, para pegar uma espécie de atestado de sanidade mental, frequentei a mesma para ter permissão de continuar na escola. Um dia essa violência há de ser corrigida. Foi exigido de mim que eu conquistasse uma companheira, condição sine qua non que seria parte das exigências requeridas de qualquer homem. Isso fez eu arrumar minha primeira namorada aos 16 anos, que era uma amiga de infância. O namoro só durou enquanto havia paciência contra o preconceito(que era muito forte nos anos 80). Mas preconceito contra o quê? Talvez contra os nerds, os anti sociais da época. Essas coisas não eram bem aceitas no Brasil da época. Hoje estão mais light nesse quesito. Quando terminou a terapia, o namoro terminou em seguida, pois um só existia por causa do outro. Um ano depois, eu entrei no relacionamento amoroso mais fantástico(e tenso) da minha história. Este deixaria marcas que fariam eu me achegar a Deus, pois a separação foi muito traumática, com interrupção de amizade e tudo. Nunca mais a vi, até hoje, 32 anos depois. Foi a mulher que mais amei na vida.

Nesta mesma época, um amigo da esfera religiosa, e hábil em matérias exatas, fez com que eu me tornasse conservador, tanto na economia como nos costumes. Na época, ganhei admiração por homens como Edmund Burke(1729-1797), Russel Kirk(1918-1994) e Leo Strauss(1899-1973), um conservador teuto-americano que era absolutamente anti-Maquiavel. Uma coisa que eu jamais seria hoje em dia. O meu conservadorismo só duraria até dois ou três anos depois, quando percebi que a igreja tirava proveito disso por sua própria covardia. O cristianismo não só tinha medo que a esquerda assumisse o poder, mas também temia os liberais. Nestes dois ou três anos eu seria militante convicto. Assisti fitas VHS(quem lembra disso?) com palestras de Yuri Bezmenov(1939-1993), um ex agente russo da KGB, refugiado, e asilado, no Canadá, que falava sobre Nova Ordem Mundial e Marxismo Cultural. Praticamente deixei de ser conservador na morte dele. Se ele soubesse de vários trumpistas, hoje em dia, dizendo que Vladimir Putin é conservador, com certeza se reviraria no túmulo.

Meu estilo de vida era de um conservador até 1993. Estudei num colégio da FAB de 1985 até 1988. Vi o esqueleto do então caça AMX-1 na Base Aérea dos Afonsos, antes de ser montado. Isso em 1987 e 1988. Era vidrado em biologia molecular e história medieval, assim como comecei a me aplicar em Física termodinâmica e Teologia sistemática. Nada poderia mudar este curso da história. Mas mudou.

Em 1995 eu mudaria para o interior do estado do Rio de Janeiro, no distrito de Cabuçu, baixada fluminense. Ali a população não conhecera a minha história anterior. Não tinha porque contar que havia sido banido da escola de Teologia por ser darwinista, ou que já não era mais conservador desde 1993. A vida de todos mudam, e a minha não seria diferente. Neste novo contexto tive dois relacionamentos: O primeiro que me deu minha filha e o segundo que durou longos 15 anos, no qual as marcas duram até hoje. Os anos na baixada fluminense foram passando e as tensões ficando mais intensas, por causa do meu comportamento eclético. Em 2007 eu descobri a Internet. De primeira, eu usava para pesquisar história e geografia do leste e norte da Europa, assim como sua história medieval e as ciências de engenharia genética do norte da Europa. Comecei a dar asas à modernidade de novo, após 14 anos fora da cidade grande. Em 2009, quando já estava no quarto ano do meu quarto relacionamento, conheci aquela que seria minha primeira rede social na vida: O Bolsa de Mulher ! Ali aprendi a colocar minhas palavras em textos, e adquiri até hoje o hábito da escrita. Ali descobri minha frase sobre liberdade, mas também foi devido a isso que meu último relacionamento ruiu como um castelo de cartas. Não me arrependo. Eu falo do (hoje já extinto) Bolsa de Mulher, site idealizado pela empresária gaúcha de mídias sociais Andiara Petterle, como o lugar onde conheci muitas amigas que durante muito tempo,que fizeram grande diferença na minha vida. Frequentei o site Bolsa de Mulher durante cinco anos. Mudou minha meta de vida. Tanto que em 2012 entrei para a faculdade, num campus de Química do IFRJ, em Duque de Caxias(RJ), mas nada substitui o Bolsa de Mulher como aprendizado filosófico de vida.

Na própria faculdade, eu teria como aplicar grandes conhecimentos que ganhei nos longos anos de autodidata na baixada fluminense. Ali no campus do IFRJ eu ganhei mais experiência nas artes do debate, mas nada que se equivalesse ao Bolsa. Porém a guerra cultural que ganhava corpo no Brasil iria exigir de mim a aplicação em breve de todo esse aprendizado. Guerra esta em que os conservadores fazem igual a extrema esquerda fazia no passado, demonizando qualquer um que não seja conservador, até mesmo os liberais, os quais muitos conservadores chamam de idiotas úteis. Uma guerra que vitimou um bom homem chamado Marcelo Arruda, no Paraná. Um homem que estava comemorando seus 50 anos, como eu hoje, mas que nem na vizinhança podia fazer isso, pois estava sob ameaça esquizofrênica constante.

Após o encerramento do Bolsa de Mulher em 2014, alastrei esse conhecimento para as demais redes sociais, para a faculdade e para a Igreja. Comecei a ter problemas, com destaque para as amizades da igreja e o meu relacionamento amoroso, que começou a ruir. Não demorou muito e comecei a ser cancelado pelo mundo cristão. Mas isso não era tudo. Meu Facebook virou um campo de batalha, onde tive postagens minhas que apareceram 400 respostas. Uma guerra sem fim, onde conhecidos e desconhecidos me xingavam de tudo que é nome. O prejuízo foi tanto que resolvi encerrar a conta definitivamente do meu 1° Facebook em dezembro de 2018. Mas tirei um lucro disso. Em um dos meus mais bizarros debates no Facebook na página de uma amiga, uma outra pessoa vislumbrou meu perfil me enviou convite pelo WhatsApp. Isso aconteceu no entardecer do meu perfil do Facebook, antes de encerrar com ele de vez. Era uma nova amiga que surgiu em minha vida para os tempos que viriam, que me acompanhou na pandemia, e nos momentos de maiores confissões mútuas. Tanto que, mesmo um novo relacionamento que eu tenha, não pensaria que a nova pessoa não a aceitasse no meu círculo de amizades.

No início de 2020, eu deixei a baixada fluminense depois de 25 anos. Relacionamento amoroso terminado(e quase a amizade também), várias amizades abaladas pelos choques que tiveram comigo, embora algumas amizades ainda se encerraram. Em 2019 eu fiz um novo perfil de Facebook, e em 2020 criei também um perfil no Twitter. Tudo isso era um prenúncio de uma nova estrada, e a certeza absoluta de que nada do mundo conservador vale a pena. É uma luta inglória onde todos chamam todos de traidores, quando a coisa aperta. Por isso que não trouxe várias daquelas amizades cristãs para este novo perfil. Só minha nova amiga basta neste contexto. Uma amizade que me apareceu no entardecer da vida, para instruir nas vozes da experiência. No perfil antigo, tanto atacava ideias, como fui atacado. Os conflitos de ideias aconteciam. Agora sou da paz. Mas essa paz tem um preço. E não preciso dar satisfações para aqueles que me tinham como 'apóstata' ou 'blasfemo' do cristianismo. Não necessito mais explicar tais coisas a pessoas que parecem ter um raciocínio roceiro.

Sou protestante anabatista. Se alguém quiser, explico historicamente a origem disso. Quanto a "ser de esquerda" ou "ser de direita", não creio mais nessas definições, pois colocaram pautas morais nelas, coisa que faria o próprio Voltaire se virar no túmulo. Sou livre dessas amarras. Minha visão de século XXI vai bem mais longe. Termino esse texto com a frase que criei no Bolsa de Mulher no final de 2010, a qual serviu de molde para o resto da minha vida natural : Nenhuma união vale o preço da minha liberdade!