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sábado, 24 de setembro de 2022

Os Camisas negras do Brasil - O nascimento da democracia

Quando estudamos história geral, aprendemos sobre os camisas negras de Milão de Benito Mussolini, na Itália fascista. Estes eram grupos paramilitares que lutavam para oprimir um país. Mas aqui no Brasil, no início dos anos 90, surgiu um movimento que vestia camisas negras, mas para libertar um país de uma onda de corrupção e medo do novo. E eu fiz parte desta história.

Há exatos 30 anos atrás houve um movimento político-estudantil no Brasil chamado caras-pintadas. Foi consequência da experiência da primeira eleição direta pós regime militar, em 1989. E esta eleição só ocorreu por causa da pressão exercida pelo movimento Diretas Já em 1984.

Em 1989, depois de 29 anos que o presidente Jânio Quadros foi eleito, veio uma eleição direta(fruto do movimento Diretas Já em 1984)no Brasil, com o carioca Fernando Collor de Mello(PRN-AL), sendo eleito por uma pequena margem de votos (42,75% a 37,86%) sobre o candidato Luiz Inácio Lula da Silva(PT-SP), em campanha que opôs dois modelos de atuação estatal: um pautado na redução do papel do Estado(Collor) e outro de forte presença do Estado na economia(Lula). E muitas pessoas que não viveram aquela época não sabem, mas o então presidente Fernando Collor de Mello tinha metas ideológicas bem parecidas com as do atual presidente Jair Messias Bolsonaro. A diferença, que se considera crucial, é que na época de Fernando Collor não havia internet, nem inteligência artificial, nem as chamadas fake news(na prática, havia), ou as deepfakes. Mas era respaldado pelo antigo medo do comunismo(estava próximo da queda da URSS), enaltecido pelas igrejas católicas e evangélicas. Parece algo bem atual, mas era a década de 90 do século XX.

Fernando Collor se autodenominou "caçador de marajás", que combateria a inflação e a corrupção, e que era o "defensor dos descamisados". Muitos se lembram desses estigmas do ex-presidente. Lula, por sua vez, apresentava-se à população como entendedor dos problemas dos trabalhadores, notadamente por sua história nos sindicatos do ABC paulista.

Nos primeiros 15 dias de mandato, Collor lançou um pacote econômico, que ficou conhecido como Plano Collor, e que bloqueou o dinheiro depositado nos bancos de pessoas físicas e jurídicas, que era tão conhecido na América do Sul como corralito. Entre as primeiras medidas para a economia, houve uma reforma administrativa que extinguiu órgãos e empresas estatais e que promoveu as primeiras privatizações, abertura do mercado brasileiro às importações, congelamento de preços e prefixação dos salários. Embora inicialmente tenha reduzido a inflação, o plano trouxe a maior recessão da história brasileira, até então, resultando no aumento do desemprego e quebra das empresas. Aliado ao plano, o presidente imprimia uma série de atitudes, características de sua personalidade, que ficou conhecida como o "jeito Collor de governar". Por trás do jeito Collor, montava-se um esquema de corrupção e tráfico de influência que veio à tona em seu terceiro ano de mandato.

Era comum assistir a exibições de Collor praticando esportes, voando em caças da FAB, subindo a rampa do Planalto e acenando para os fãs, comportamentos estes que exaltavam suas supostas jovialidade, arrojo, combatividade e modernidade. Todos expressos em sua notória frase "tenho aquilo roxo". Parece com algo dos dias atuais, não? Inclusive, sempre tinha um grupo de pessoas à volta da Casa da Dinda, como era conhecida. Era o “cercadinho” do presidente na época.

De repente, o jeito Collor de governar encontrou os primeiros problemas, que vieram da própria família, inesperadamente para o presidente. Em reportagem publicada pela revista Veja, na sua edição de 13 de maio de 1992, Pedro Collor de Mello, o irmão do presidente, acusava o tesoureiro da campanha presidencial, o empresário Paulo César Farias, de articular um esquema de corrupção de tráfico de influência, loteamento de cargos públicos e cobrança de propina dentro do governo. A mãe do presidente tentou invalidar o filho Pedro Collor como deficiente mental. Não conseguiu. Pedro Collor apresentou, em uma coletiva de imprensa, seu laudo de sanidade mental. Os reveses na família Collor estavam só no início.

O chamado "esquema PC" teria, como beneficiários, integrantes do alto escalão do governo e o próprio presidente. No mês seguinte, o Congresso instalou uma Comissão Parlamentar de Inquérito(CPI) para investigar o caso. Durante o processo investigatório, personagens como Ana Acioli, secretária de Collor, e Francisco Eriberto, seu ex-motorista, prestaram depoimento à comissão confirmando as acusações e dando detalhes do esquema. O grande problema é que, a todo tempo, se via acusações contra muitos neste esquema. Mas nada se via de ligações com o presidente da república. Até que um belo dia o presidente, em seus desfiles de exibição, aparece andando num Fiat Elba, em que ninguém sabia quem tinha pago pelo carro. Então as investigações mostraram que o carro havia sido pago por um dos fantasmas do PC Farias, um tal de Bonfim. Foi usado um cheque administrativo do Banco Rural(quem lembra disso?). Estava comprovado o envolvimento do presidente.

Um dos expedientes utilizados por PC Farias era abrir contas "fantasmas" para realizar operações de transferência de dinheiro arrecadado com o pagamento de propina, e desviado dos cofres públicos para as contas de Ana Acioli. Além disso, gastos da residência oficial de Collor, a chamada Casa da Dinda, eram pagos com dinheiro de empresas de PC Farias.

A partir daí, os acontecimentos se sucedem freneticamente. No dia 3 de agosto o ex-secretário de imprensa da presidência, Pedro Luís Rodrigues, avisa que não pretende se despedir de Collor ao deixar o governo. A executiva nacional do PT(Partido dos Trabalhadores) decide promover uma série de comícios no país pela aprovação do Impeachment. Neste momento da minha vida, eu estava na Igreja. Uma denominação evangélica, ainda existente hoje, chamada Projeto Vida Nova. Eles me aconselharam a não tomar parte em nada disso, pois diziam que os partidos comunistas do Brasil queriam derrubar o presidente. E que corríamos risco de sermos dominados pelo famoso Marxismo Cultural, que ameaçava a fé cristã pelo mundo. As mesmas desculpas de sempre. Temiam o fechamento das igrejas, caso o PT tomasse o poder. Como já estava deixando o conservadorismo lunático naquela época, desprezei o conselho deles. Nunca me arrependi. Pelo contrário, teria me arrependido se não tivesse tomado parte nessa história.

A seguir, começam os “ratos a abandonar o navio”. No dia seguinte, o ex-ministro da educação, José Goldemberg, declara que foi "enganado e burlado" por Collor. Depois o governo, numa tentativa desesperada para adiar o inevitável, decide que o prazo ideal para enfrentar a oposição na votação do impeachment será depois das eleições de 3 de outubro. Por causa desses acontecimentos, o presidente resolveu, numa quinta-feira dia 13 de agosto, fazer um apelo à população brasileira. E assim, o presidente da república, em pronunciamento, aproveitando uma manifestação de taxistas em favor dele, em seu “cercadinho”, ele disse:

"E essa é uma mensagem que eu dirijo a todo Brasil. A todos aqueles que têm essa mesma profissão de fé. Que saiam no próximo domingo de casa, com uma peça de roupa, numa das cores da nossa bandeira. Que exponham nas suas janelas. Toalhas, panos, o que tiver nas cores da nossa bandeira. Porque assim, no próximo domingo, nós estaremos mostrando onde está a verdadeira maioria."

E então, no domingo dia 16 de agosto, muitos foram às ruas. Mas não com as cores que o presidente esperava. A maioria de preto. Sim, éramos os camisas negras do Brasil. Em princípio, não tinha as caras pintadas. Até uma menina chamada Cecília Lotufo, que mais tarde seria a primeira pessoa a ser registrada com a cara pintada frente às câmeras de TV, sabia que em princípio não havia essa ideia.

No dia 26 de agosto foi aprovado por 16 votos a 5, o relatório final da comissão que constatou, também, que as contas de Collor e PC Farias não haviam sido incluídas no confisco de 1990. Foi pedido, então, o Impeachment do presidente. Com o tempo, e no decorrer dos dias, até a votação do impeachment na Câmara dos Deputados no dia 29 de setembro, as caras vieram com mais cores. Eu lembro que cantávamos a seguinte marchinha, que também havia sido cantado nas marchas do PT na época de campanha eleitoral, na empolgação da juventude colorida em passeata:

O Collor vai ganhar!!!
Uma passagem pra morar em outro lugar…
Não vai de trem, nem metrô ou avião
Vai algemado no camburão
Eita Collor ladrão!

O mais impressionante foi a posição das igrejas na época. Com o tempo, elas foram aderindo. Mas no início, no dia 16 de agosto, o medo do comunismo era mais forte que o combate à corrupção do governo Collor.

Finalmente, em 29 de setembro, a Câmara dos Deputados votou a favor da abertura do processo de impeachment de Collor por 441 votos a favor e 33 contra. O voto que mais me chamou a atenção foi do então deputado Roberto Jefferson, que disse: "Deixo aqui o meu protesto, em prol de se investigar todos os corruptos, e não apenas alguns. O meu voto é não!"

No dia 2 de outubro, Collor é afastado da Presidência até o Senado concluir o processo de impeachment. O vice-presidente Itamar Franco assume provisoriamente o governo e começa a escolher sua equipe ministerial. No dia 29 de dezembro, Collor renuncia à presidência para evitar o Impeachment. Entretanto, no dia 30, por 76 votos a 3, ele teve seus direitos políticos cassados por oito anos.

Quando me dispus a pintar a cara de verde e amarelo em 1992, meus pastores foram contra. Diziam ser "coisa de comunista'. Talvez porque não vestimos camisa verde e amarela. E nem camisas vermelhas, como podia-se pensar. Vestíamos camisas negras. Aos gritos de "fora Collor", realmente éramos de maioria PT. Eu era do PV(Partido Verde) e mal conhecia o PT na época. Mas os pastores, e até padres, ficaram apavorados, pois comunistas tinham fama de ser 'anti-religião'. Mas eu estava lá, com ou sem aval de pastores. A parcialidade, e o "deus mamom satânico" das denominações, nunca deveria servir de viés de caminho para cristão nenhum. Aquilo que fiz em agosto e setembro de 1992(para nós foi o setembro negro de fato), ficará para sempre na minha memória.