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quarta-feira, 27 de dezembro de 2023

Shark, Tubarão - A era dos games

Quem, como eu, que foi geração anos 70, não viu durante sua infância uma série de videogames que surgiria entre os anos 70 e 80? Durante esse período, o Brasil passou pela era dos games, como Odyssey, Atari(ambos criados entre 1972 e 1978, sendo que o Odyssey veio primeiro) e até mesmo o Intellevision(criado entre 1977 e 1979), que é a razão deste texto.

O Intellevision era da Mattel. Sim, isso mesmo. A mesma indústria da Barbie! Nos anos 70, esse tipo de coisa não era comum. Quando a Magnavox criou o Odyssey no início dos anos 70, onde a empresa passou a fazer parte da Philips em 1974, ninguém iria imaginar na época o quão longe o mercado dos chamados videogames iria.

O Intellevision, meu primeiro e único videogame na vida, tinha vários cartuchos de jogos à venda. Eu tinha o Triple Action(três jogos, batalha de tanques, batalha de aviões e corrida de carros), o Astrosmash(batalha de asteróides, que era o jogo mais tenso) e, finalmente, o “Shark! Shark! Tubarão! Tubarão!”, criado no início de 1983, fazendo agora 40 anos de sua criação. Este era um jogo do Intellivision, originalmente projetado por Don Daglow, e com design e programação adicionais de Ji-Wen Tsao, uma das primeiras mulheres programadoras de jogos na história dos videogames. O jogador é um peixe que deve comer peixes menores para ganhar pontos e vidas extras, evitando inimigos como peixes maiores, tubarões, águas-vivas, lagostas e caranguejos. Depois de comer uma certa quantidade de peixes, os peixes do jogador aumentam de tamanho, e podem comer uma seleção maior de peixes. No entanto, embora o peixe maior se torne um pouco mais rápido, ele é menos ágil que o peixe pequeno e tem mais dificuldade em evitar os inimigos. O tubarão possuía tamanho 7, as águas-vivas tamanho 6, mas o peixe do jogador alcançava, no máximo, tamanho 5. Então havia coisas que o peixe do jogador jamais poderia comer. As águas-vivas, por exemplo, deveria deixar para os tubarões darem conta.

O objetivo final do jogo(que parecia infinito, mas não era) era atingir 9.999.950 pontos ou matar 225 tubarões. Esta última alternativa não era muito boa, pois cada tubarão que morria, o próximo vinha mais veloz. Matava-se o tubarão mordendo a cauda dele um determinado número de vezes. Quanto maior o peixe do jogador, menos mordida precisava dar na cauda do Tubarão, para matá-lo. Eu alcancei 116.000 pontos em 1984. Na mesma época, o campeão brasileiro alcançou 108.000 pontos. Obviamente, ele fez isso jogando contra outro jogador, o que talvez lhe dê mais mérito.

Tubarão morrendo, após sucessivas mordidas do peixe em sua cauda

Por fim, devido ao meu estado de nervos, e por estar perdendo os meus estudos escolares, meu pai vendeu o videogame. Mas o meu nervosismo não foi por causa do jogo do Tubarão, mas sim por causa do Astrosmash, este sim um jogo infinito, que levava o jogador à loucura.

Hoje, cerca de 40 anos depois, vejo o quanto a nossa infância dos anos 70 e 80 era precária. Muitos sentem saudade, mas o mundo sempre foi ruim. Porém ao menos eu sempre sentirei saudade de um joguinho que fez parte da infância de muitos, embora o Intellevision era bem menos conhecido que Odyssey ou Atari. Entretanto, nenhum desses três se comparava às diversões que a garotada de hoje possui. O mundo nunca foi mais ou menos feliz. Era só um mundo com opções diferentes.

sexta-feira, 22 de dezembro de 2023

A Origem dos Plantagenetas: Eleanor da Aquitânia

Neste ano, como faz 30 anos da morte da escritora inglesa Eleanor Alice Burford Hibbert(1906-1993), que usava vários pseudônimos, entre os quais Jean Plaidy, autora da famosa Saga dos Plantagenetas, uma saga de romances históricos em 14 volumes, que conta a história desta família inglesa, porém de origem francesa, até a ascensão dos Tudors, no final do século XV. E esta origem francesa começa com uma mulher que iria virar lenda dos dois lados do canal da Mancha: Eleanor da Aquitânia!

No início do ano de 1173, há 850 anos, uma revolta pairava no reino da Inglaterra. Uma mulher ferida em seu orgulho, agitava seus filhos contra o próprio marido, tentando depô-lo do trono. Seu nome era Eleanor da Aquitânia, e foi considerada a primeira mulher com ideias feministas na idade média. Era a nobre herdeira da província mais rica do continente europeu. E esta sua história é a prova do quão longe a vingança pode levar. A vida de Eleanor foi muito enriquecida, não apenas por sua vasta herança do Ducado da Aquitânia, que seu filho Ricardo I também herdaria, mas também por sua formidável força de personalidade, casamentos astutos e instinto implacável de buscar perspectivas para ela e seus filhos. Ela foi casada pela primeira vez com Luís VII, posteriormente se casaria com Henrique Anjou (mais tarde Henrique II), formando uma poderosa aliança de enorme riqueza e influência.

Em 1137 o pai de Eleanor morreu, e seu único irmão também morreu. Ela tinha apenas 15 anos, mas herdou uma incrível riqueza e poder normalmente não acessíveis às mulheres nesse período. Ela se casou com o rei Luís VII da França, fortalecendo muito a riqueza e a posição de seu marido com a riqueza da Aquitânia. Dez anos depois acompanhou seu marido Luís VII na 2ª Cruzada, de Constantinopla a Jerusalém, o que não foi um sucesso, assim como o seu casamento. Ela lhe deu apenas duas filhas, e isso levou à anulação do casamento. Suas filhas eram: Maria, condessa de Champagne, que casou-se mais tarde com Henrique I, conde de Champagne(irmão de Teobaldo V, conde de Blois); Alix, que casou-se com Teobaldo V, conde de Blois; e sua irmã Marie, que casou-se com o irmão de Teobaldo, Henrique.

Ela prontamente se casou com Henrique II, rei da Inglaterra e filho do conde D’Anjou, e juntos tiveram 8 filhos, dos quais 5 eram meninos importantes, dando a certeza para a sucessão vital para o rei. Mas esta não era uma família próxima e feliz desde o início. Haveria competição e luta interna não apenas entre seus filhos, mas também entre o rei e Eleanor como sua rainha. O poder de sua aliança e a união do Império Angevino com a Aquitânia foram pelo menos influentes em causar a divisão familiar, e as lutas internas que permeariam a linha Plantageneta. Seus filhos foram: Guilherme IX, conde de Poitiers, morreu na infância e, portanto, não chegou à fase adulta; Henrique, o Jovem Rei, casou-se com Margarida da França e não teve filhos.

A ascensão de Henrique II ao trono inglês marcou o alvorecer da era Plantageneta. De origem francesa, mas filho de uma princesa herdeira da Inglaterra, Henrique sequer sabia falar inglês. Acabou com o caráter feudal do exército inglês, onde os nobres foram dispensados do serviço militar. No lugar disso, cobrou um imposto dos nobres, que o fez ter capacidade de ter um exército real. Nomeou juízes por todo país, que já estava dividido em condados, onde um funcionário real, o Xerife, tinha autoridade sobre senhores, burgueses e camponeses.

Após o casamento de Eleanor da Aquitânia com Henrique II, houve aquilo que nós do século XXI chamaríamos de alienação parental. A rainha Eleanor já vinha do seu casamento com Luís VII da França, quando contraiu a nova união. Mas o jovem rei Henrique mantinha o hábito comum da maioria dos nobres da época, com várias amantes, entre as quais Rosamund Clifford(1140-1176), uma nobre inglesa considerada a mais bela de sua época. A rainha inglesa, que já tinha um espírito livre incomum da época, soube lidar com frieza no caso, concentrando-se em envenenar o nome de seu marido nos ouvidos de seus filhos. Dizem que a rainha deu à luz ao seu filho João no Palácio de Beaumount, em vez de no Palácio de Woodstock, porque Clifford morava em Woodstock. Eleanor preparou sua vingança com calma. Dizem que ela foi o 1° modelo de mulher feminista na idade média. Ela tinha seu filho predileto, Ricardo. E como o povo da Aquitânia não gostava de Henrique, desde cedo ela mandou Ricardo para lá, para o menino se habituar com as terras francesas. Os franceses não viam Eleanor com bons olhos, mas poderiam ver Ricardo. De fato, por causa dela, a Inglaterra passou a ser dona de metade da França. Os franceses ficaram chateados quando a rainha "encheu de galhos a cabeça do rei Luís VII" indo levar o seu corpo folgazão, assim como seu enorme ducado, para as mãos do rei Henrique II da Inglaterra.

Porém a vingança da rainha envolveria todos os seus filhos, com exceção de João. Mas principalmente Ricardo, que mais tarde viraria a maior lenda da idade média europeia: Rei Ricardo, Coração de Leão! Terceiro filho do casal, não tinha a maior pretensão de se tornar rei. Mas tinha uma vantagem: era o predileto da mãe. Em 1173 a rainha armou uma rebelião contra o rei. Nessa época, Henrique, o Jovem rei(filho mais velho de Henrique II, após a morte do pequeno Guilherme, ao nascer)tinha 18 anos e era elogiado por sua boa aparência e charme. Ele era casado há muito tempo com a filha de Luís VII da França, ex-marido de Eleonor. Henrique, o Jovem Rei, manteve uma grande e glamorosa comitiva, mas foi limitado pela falta de recursos: “ele tinha muitos cavaleiros, mas não tinha como dar recompensas e presentes aos cavaleiros”. O jovem Henrique estava, portanto, ansioso por assumir o controle de algumas de suas heranças ancestrais para governar por direito próprio. Seu pai cometeu o erro(que só viria a se tocar depois) de coroar seu sucessor ainda em vida. Isso ainda iria custar muito caro.

A causa prática imediata da rebelião foi a decisão de Henrique II de legar três castelos, que estavam dentro da herança do Jovem rei, ao seu filho mais novo, João, como parte dos preparativos para o casamento de João com a filha do Conde de Maurienne. Com isso, Henrique, o Jovem rei, foi encorajado a se rebelar por muitos aristocratas que viam lucro e ganho potenciais em uma transição de poder. Sua mãe, Eleanor, estava brigando com o marido e se juntou à causa, assim como muitos outros, chateados com o possível envolvimento de Henrique no assassinato do arcebispo Thomas Becket em 1170, que deixou Henrique alienado em toda a cristandade. A revolta durou dezoito meses, estendendo-se por uma grande área do sul da Escócia até a Bretanha. Pelo menos vinte castelos na Inglaterra foram registrados como demolidos por ordem do rei. Muitas cidades foram destruídas e muitas pessoas foram mortas. A culpa foi colocada nos conselheiros do jovem Henrique, os barões rebeldes, que manipularam os príncipes inexperientes e imprudentes em busca de seus próprios sonhos de ganho. William Marshal(mais tarde chamado de o melhor cavaleiro do mundo), que foi leal ao jovem Henrique durante a revolta, disse que "maldito seja o dia em que os traidores planejaram envolver o pai e o filho".

A rebelião destruiu a confiança de Henrique nos filhos, principalmente em Ricardo. Eleanor foi presa no castelo de Chinon, na França, e Ricardo fugiu para a França. João, o único a não participar da rebelião, se tornou favorito à sucessão. O príncipe Ricardo desenvolveu um forte vínculo com Felipe Augusto(1165-1223), futuro rei da França. Dizem que Ricardo era homossexual, e ele e Felipe eram amantes. Foi assim que o jovem Ricardo, apesar de inglês, foi morar na França. Mas Ricardo já havia tido uma educação francesa, e aprendeu a chamar a França de lar.

Castelo de Chinon, na França. Lugar em que ficou detida a rainha Eleanor.

Quando em 1188 o rei Henrique II tentou tomar a Aquitânia de Ricardo para dar a João, seu filho caçula, Ricardo se aliou a Felipe e formou uma nova aliança contra o pai. Mas desta vez a revolta teria êxito. Henrique, já velho e cansado, não teria muito mais forças para resistir a mais essa investida. Henrique, o jovem rei, já estava morto. E agora Ricardo era o mais e, portanto, sucessor do trono. Em regra, as coisas mudaram. Tendo morrido seu filho mais velho, Henrique II modificou as condições de sua sucessão: Ricardo se tornaria rei da Inglaterra, mas não teria poder até a morte de seu pai; Godofredo manteria a Bretanha, que obteve por casamento, e João, seu filho favorito, obteria o Ducado da Aquitânia. Ricardo, no entanto, recusou-se a abandonar o ducado ao qual se havia vinculado porque não desejava se tornar um rei subordinado da Inglaterra sem poder. Furioso, Henrique II ordenou que Geoffrey e João marchassem para o sul para retomar o ducado à força. A guerra foi curta e terminou com uma difícil reconciliação familiar em Westminster no final de 1184. Mas a partir de 1188 a coisa seria diferente. Após uma mediação do papa, numa conferência em La Ferté-Bernard, que parecia trazer a paz. Ricardo e Felipe atacaram Henrique II de surpresa, fazendo-o recuar. O velho rei chegou a ter uma hemorragia estomacal derivada de sua úlcera. Não viveria mais muito tempo.

Vitorioso, Ricardo exigiu do pai o famoso beijo da paz, que era o juramento feudal de um vassalo para o seu suserano. Henrique se recolheu triste em seu castelo. Seu filho Geofredo, de uma outra união, estava junto a ele. O velho rei pediu a lista dos nobres que o traíram, passando para o lado de Ricardo. Para sua surpresa, o nome de João encabeçava a lista. Não viveria muito tempo mais, movido pela tristeza, morrendo dia 6 de julho de 1189. Após isso, e também a sua vitória, a primeira coisa que Ricardo fez foi tirar sua mãe da prisão. Eleanor da Aquitânia tinha sido vitoriosa em ver seu filho predileto no trono.

Eleanor ainda viveria para ver Ricardo reinar, lutar nas cruzadas e morrer. O rei Ricardo lutaria na terceira cruzada tendo Felipe II como um aliado invejoso e sabotador. Além disso, enquanto estava no Oriente, seu irmão João começava um processo de tentar tomar o trono do irmão. É a lógica do sistema. Quem trai o pai, trai o irmão. Sabendo disso, Ricardo retorna à Europa. Mas seria feito prisioneiro pelo duque Leopoldo V da Áustria, com quem se desentendeu durante a cruzada. O duque exigiu um resgate de 150 mil marcos pelo resgate, que equivalia a dois anos de dividendos da coroa inglesa. Eleanor juntou o dinheiro para resgatar seu filho amado. Porém João, aliado a Felipe da França, ofereceu a mesma quantia para o duque mantê-lo preso. Não adiantou. Não conseguiram mantê-lo encarcerado. Ao voltar, levou apenas algumas semanas para retomar os castelos tomados por João. Anos depois, ao retornar da guerra contra Felipe na França, Ricardo morreria de uma flechada. Mais uma morte que Eleanor testemunharia.

Para a Inglaterra o Leão não deixou nada. Mas os ingleses entoaram canções de seu rei glorioso na Guerra dos Cem Anos contra os franceses. Uma guerra que teve como região dissidente a mesma que foi disputada por Ricardo, João e Felipe da França. Tanto que Ricardo chegou a construir um castelo que seria a maior fortaleza em solo europeu, porém hoje em ruínas: O Chateau Gaillard! Aquele que fez Felipe Augusto da França dizer:"Eu o tomarei, ainda que os muros sejam de ferro". Ao que Ricardo respondeu:"Eu o defenderei, ainda que os muros sejam de manteiga". O castelo seria herdado por João, que sucedeu Ricardo, após a morte deste último. A incompetência de João no trono inglês, que trouxe tristezas à sua mãe Eleanor, fez perder inúmeras coisas conquistadas por seu pai e o irmão, inclusive o Chateau Gaillard. Houve revoltas no reino. Entre as quais, a revolta dos barões ingleses, que teve como consequência a assinatura da Magna Carta em 1215. Uma carta que limitaria a autoridade dos reis ingleses, até chegar ao ponto que está hoje.

O reinado de João foi desastroso aos olhos de sua mãe. Além da revolta dos barões e da Carta Magna, provavelmente foi nessa época que apareceu um personagem lendário conhecido como Robin Hood. Eleanor não viveria muito para ver seu último filho morrer. Ela morreu em Poitiers aos 80 anos de idade, em 1º de abril de 1204, algumas semanas após a captura do Château Gaillard por Felipe Augusto da França. Ela está enterrada em Fontevraud onde, apesar dos saques e profanações revolucionárias de 1793, ainda podemos ver sua figura reclinada ao lado de seu marido, Henrique II Plantageneta.

Assim morreu a rainha que estava à frente de seu tempo. Aquela que usou os filhos como armas de vingança marital. A Inglaterra perdeu muitas de suas terras no continente e o Império angevino, forjado por Henrique II e Eleanor, entrou em colapso. A influência de Eleanor continuou a ser sentida, no entanto, através de fortes e independentes mulheres, como sua neta Branca de Castela. Seja como um modelo, seja por meio da poesia que inspirou, o impacto de Eleanor continuou durante muito tempo após sua morte.

O rei Henrique II, que morrera vários anos antes, morreu decepcionado. Suas aventuras com amantes lhe custaram caro. Existe uma história interessante sobre as amarguras do velho rei inglês(que na verdade era 10 anos mais jovem que a sua rainha). Na câmara do rei Henrique II no castelo de Winchester estava pintada com cenas alegóricas de sua vida. Uma delas era a pintura de uma águia e quatro aguietas. Três atacavam a águia, enquanto a quarta observava. Dizem que o rei comentou:"Essas aguietas são meus filhos, que irão me perseguir até minha morte. O último deles, meu filho caçula, só está esperando para me arrancar os olhos com o bico."

Referências Bibliográficas

1.TYERMAN, Christopher. A Guerra de Deus: Uma Nova História das Cruzadas(vol. 1). Rio de Janeiro: Imago, 2010.
2.GIASSETTI, Ricardo. Ricardo, o leão das batalhas. Coleção Grandes Guerras,Volume VIII. Aventura na História.Ed. Abril.2008. São Paulo.
3.DUARTE, Fernando. Em busca de Robin Hood. Revista Aventuras na História. Edição 82. Editora Abril. Maio, 2010. São Paulo.