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quinta-feira, 29 de dezembro de 2022

Não existe tratado do lado de baixo do Equador

"Brandindo achas e empurrando quilhas, vergaram a vertical de Tordesilhas."

Guilherme de Almeida, monumento aos Bandeirantes, no parque Ibirapuera, São Paulo.

Do que trata a frase poética do paulista em questão acima? Isso foi o reconhecimento, por parte dos bandeirantes paulistas, que o Tratado de Tordesilhas, ratificado mais tarde pelo papa Júlio II em 1506, era cada vez mais burlado. Portugueses avançavam para dentro do território sul americano sem nenhum reconhecimento, ou repreensão, por parte de autoridades espanholas. Isso viria a trazer consequências bem sérias mais tarde, onde portugueses, que não tinham nenhum respeito pelos jesuítas, avançaram sobre os territórios dos Sete Povos das Missões e os destruiu. Este povoamento era o conjunto de sete aldeamentos indígenas fundados pelos Jesuítas espanhóis na Região do "Rio Grande de São Pedro", atual Rio Grande do Sul, composto pelas reduções de São Francisco de Borja, São Nicolau, São Miguel Arcanjo, São Lourenço Mártir, São João Batista, São Luiz Gonzaga e Santo Angelo Custódio. De forma brutal, interesses escusos de Portugal, Espanha e Inglaterra acabaram com a maior missão civilizatória da América do Sul em pleno século XVIII.

Essa mesma realidade se aplica aos Tratados internacionais sobre territórios que, no passado colonial, pouco valiam. O mundo já foi muito mais selvagem do que os tempos atuais e, muitas vezes para tratados valerem, era preciso se impor pela espada, ou mesmo pelo medo do sobrenatural. Enfim, algo que colocasse os homens sob ameaça, caso tentassem quebrar a palavra.

As navegações do século XV e XVI trouxeram novas visões de mundo para o continente europeu. Mas mundo afora isso já estava em prática. O navegador mongol muçulmano Zheng He, a serviço da China Ming, já percorria os mares do Atlântico sul no início do século XV, segundo o oficial da Marinha britânica, Gavin Menzies. E não só isso. Os nórdicos da Noruega avançaram sobre a Islândia, Groenlândia e, mais tarde, Canadá. Porém em nenhum desses casos fora da Europa havia a intenção de colonizar as terras descobertas. Havia casos de colonos e suas famílias, como ocorreu no Canadá do ano 1000 em diante(chamado de Vinlandia), porém tais habitações duravam pouco. Ou mesmo só para extrair riquezas, como foram o saque de muitos reinos africanos e asiáticos.

O processo colonizador começou mesmo no século XV, após a frustração da época das cruzadas. A morte de Marco Polo no século XIV encerra um período de geógrafos lendários(e às vezes ainda delirantes), no qual a Europa era fascinada pelas culturas árabe, persa, mongol e, principalmente, chinesa. Após isso viriam a peste negra e as navegações. Mas, mesmo na baixa idade média, não havia pouca cultura na Europa, como se imagina. E Marco Polo não foi o primeiro europeu a pisar na China. Antes dele veio um comerciante judeu italiano chamado Jacob d'Ancona. Ele veio na época da dinastia Song, e presenciou o ataque dos mongóis sob Kublai Khan. Escreveu um livro chamado Cidade da Luz, que possui muito mais detalhes sobre a China que o veneziano Marco Polo.

Quando Constantinopla foi tomada pelos turcos em 1453, foi fechada a passagem por terra para muitos europeus. O mediterrâneo era um mar fechado pelos venezianos. Então a saída era dar a volta, pelo litoral da África, indo até a Ásia. Ou para o ocidente, como fez Cristóvão Colombo. Tudo isso era para alcançar as especiarias das índias. As Índias era uma localização geográfica que englobava não só a Índia, mas todo o leste africano, e até mesmo as áreas da Península da Indochina, onde muita coisa ainda iria acontecer.

Quando o processo colonial do novo mundo começou, também se fez necessário tratados entre as potências que tomavam posse das terras do hemisfério sul do planeta. Tratados como Tordesilhas, Madri, Santo Ildefonso, Alcáçovas, Saragoça, etc. E estes tratados quase nunca eram respeitados. Para começo de conversa, as pessoas dos séculos XV e XVI não tinham quase nenhum senso de nacionalidade. O homem não era um patriota. Ele era fiel ao seu príncipe, assim como sua religião. Assim, um morador da Normandia, norte da França, não era cidadão francês, muito menos inglês. Era um súdito do rei da Inglaterra, pois aquele território era parte do reino inglês. Basta lembrar que Carlos V, Sacro imperador da Germânia do século XVI, governava súditos falantes de catalão, basco, castelhano, náhuatl, alemão, quíchua e italiano. E não só isso, mas em pleno século XX, durante a segunda guerra, vários poloneses do interior se classificavam como pessoas do lugar.

Em se tratando do século XX, houve a partilha da África tentando se utilizar dos mesmos tratados dos séculos XV e XVI. Já naquela época, as demais potências marítimas não aceitavam o mundo ser partilhado entre as potências ibéricas Portugal e Espanha. Logo Inglaterra, França e as Províncias Unidas(Holanda) iriam se lançar aos mares. Portanto, se 400 anos antes as potências não aceitavam divisões desiguais, quanto mais no século XX. A Conferência de Berlim(1884-1885) tentou a partilha da África. Mas os ingleses não viam com bons olhos o avanço do imperialismo alemão. Então tais rivalidades não puderam ser resolvidas em uma mesa de conferência, mas sim com explosivos, gases venenosos e tanques. Estava iniciada a primeira guerra mundial. O mundo não mais pertencia aos ideais de D. Quixote de la mancha…

Portanto, as rivalidades entre as potências do norte em relação às colônias do Sul do planeta, raras vezes puderam ser resolvidas através de tratados. E parodiando o fantástico cantor brasileiro Ney Matogrosso, em seu não existe pecado do lado de baixo do Equador, pode-se dizer que esta não foi a única falta que as grandes navegações, e o futuro imperialismo, deixaram a desejar…

Referências Bibliográficas

1. Revista História Viva GRANDES TEMAS: Mar Português. Editora Duetto. nº14. Dezembro, 2009. São Paulo.
2. Revista História Viva GRANDES TEMAS: As muitas conquistas da América. Editora Duetto. nº23. Agosto,2010. São Paulo.

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