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sábado, 26 de dezembro de 2020

QUATRO SÉCULOS DE TEOCRACIA PURITANA: A FUNDAÇÃO DOS EUA

Puritanos desembarcando na colônia de Massachussetts. Quadro de Antonio Gisbert, 1864.

Quase sempre quando pensamos no início da história norte-americana, pensamos na descoberta da América em 1492, pelos espanhóis com Cristóvão Colombo. Mas não foi assim. Na realidade, os EUA são mais recentes que isso. As treze colônias da América do norte são frutos da imigração de protestantes ingleses, os chamados puritanos, para a terra a qual chamaram de "Nova Canaã"(em comparação com a 'terra prometida' de Israel da idade antiga), mais tarde de Nova Inglaterra.

O marco tido por início da história das treze colônias norte-americanas foi a viagem do navio peregrino do Mayflower, da Inglaterra. Este navio partiu no outono de 1620 para a Nova Inglaterra, chegando no inverno do mesmo ano. Ele carregaria o sonho dos cristãos puritanos em ter sua nova terra, para desfrutar de sua fé em paz.

Porém as incursões inglesas na América do norte podem ter iniciado bem antes. O memorável príncipe galês Owen Madoc teria atravessado o Atlântico até a atual Geórgia no final do século XII. Pelo menos era o que alegava um propagandista inglês na corte da rainha Elizabeth I, no final do século XVI. Oficialmente foi o navegador Walter Raleigh quem primeiro estabeleceu uma colônia na atual Carolina do Norte, chamando de Virgínia, em 1584, 1585 e 1587. Dando este nome em homenagem à rainha virgem, que era sua soberana Elizabeth I. É claro que houve tentativas frustradas como de Giovanni Gaboto, em 1497, ou Humpherey Gilbert, em 1578.

Todas essas incursões inglesas acabavam por irritar a Espanha de Felipe II, que não tardou a ameaçar o reino inglês em 1588, com a chamada invencível armada. Frota esta que foi destruída por um maremoto e também por corsários ingleses. Mas as incursões inglesas continuavam, apesar dos protestos espanhóis e também do rei Jaime I aceitar decapitar Walter Raleigh como demonstração de tratado de paz, exigido pela Espanha.

O reino da Inglaterra no século XVII vivia seu alvorecer da riqueza. Os reinos espanhol e francês viviam crises. O primeiro era de conflitos coloniais, e o segundo de conflitos religiosos. Piratas holandeses e turcos rondavam o mar mediterrâneo, onde a batalha de Lepanto(1571) conseguiu afugentar estes últimos momentaneamente. Mas os peregrinos do Mayflower eram diferentes. Eram colonos em busca de uma nova vida. Traziam a religião, os estudos e o trabalho como bagagem para o novo continente. Mas não era só isso. Traziam a perspectiva de uma nova vida para os colonos também.

A queda dos reinos espanhol e português, além dos conflitos religiosos franceses, eram um caminho aberto para o expansionismo inglês pelo mundo. E o 1° passo para isso foi o Ato de Navegação, em 1651, que decretava o monopólio dos navios ingleses nas exportações e importações do reino. Este ato entra em conflito com a companhia das índias holandesas, havendo guerra entre ambas as potências marítimas, vencida pelos ingleses.

Assim, no outono de 1620, embarcavam 102 ingleses, para a concessão da coroa inglesa próxima ao rio Hudson,bem mais ao norte que as outras fundações inglesas. Finalmente, em 11 de novembro de 1620, os peregrinos chegaram ao cabo Cod, no atual estado de Massachusetts. Ali fundaram a cidade de Plymouth, na nova colônia de Plymouth. Ali nascia os Estados Unidos da América, ainda que fossem apenas as colônias do norte.

Ao estabelecer essa colônia, muitos sabiam que a vivência no local seria difícil. O inverno estava chegando e as provisões não eram muitas. Famílias inteiras morreriam naquele inverno. Aqueles que sobreviveram ao primeiro inverno, celebraram o Dia de Ação de Graças junto a muitos índios, sempre no início do outono. Somente em meados do século XIX que o presidente Abraham Lincoln fez disso um feriado nacional. E em meados do século XX o presidente Franklin Roosevelt passou o feriado para novembro, para ficar próximo ao natal. O Canadá também possui tal festa, mas não é unânime. E o Brasil resolveu copiá-la no governo Gaspar Dutra, através da lei n° 781. Mas isso está completamente fora do nosso contexto, só sendo repassada devido ao complexo de vira latas de Joaquim Nabuco, por este ter ficado impressionado quando visitou Nova Iorque. Em 1966, já no regime militar, a lei n° 5110 estabeleceu a quarta quinta feira de novembro como data. Várias denominações protestantes brasileiras, assim como cursos de inglês, a comemoravam. Assim tivemos a nossa festa ianque tupiniquim, para incluir em nossa história.

A nova colônia de Plymouth fez história no século XVII. Tinha leis civis, que no fundo eram religiosas, bem rígidas. Adultério e fornicação estavam entre os piores. Tiveram como marco o Pacto de Mayflower ou Mayflower compact , que foi o documento inicial da colônia, dele hoje só restando uma cópia do século XVII na biblioteca estadual de Massachusetts. Mas a maior herança da colônia foi a Universidade de Harvard, uma instituição privada sem fins lucrativos, que hoje recebe U$35 bilhões anuais do governo dos EUA. Tem seu nome dado em homenagem ao seu primeiro feitor, John Harvard(1607-1638), pastor Congregacional. Embora a universidade fosse secularizada até o século XIX, sua base foi protestante. Hoje é a melhor do mundo!

A chegada dos puritanos ingleses no novo mundo retratava muito do que eles eram no velho mundo: Uma geração teocrática, que imaginava poder implantar um reino de Deus na terra. Tanto que o próprio Oliver Cromwell, chefe da revolução puritana, para montar um exército em rebelião contra os impostos do rei, escolhe um batalhão dividido entre quatorze esquadrões, de homens que não bebem, não jogam, pois diz que prefere homens de fé a homens de honra. Com este batalhão, ele desbarata as tropas de cavaleiros do rei Carlos I, da Inglaterra. Era uma espécie de Donald Trump da Inglaterra moderna. Com a diferença deste ser mais verdadeiro e honesto que o atual chefe de estado norte americano. Mas nem tudo era ruim, e fanático, para os novos peregrinos da América do Norte. Suas leis rígidas, principalmente no norte das colônias, eram instituídas mais por medo do caos social, do que beatice. A famosa "caça às bruxas de Salem", no estado de Massachusetts dos finais do século XVII, são um exemplo disso. E muitas dessas leis das colônias ofereciam mais liberdade do que as leis inglesas, por exemplo.

O colono puritano via a democracia com desconfiança. Só se aceitava teocracia, o que na prática era Oligarquia. Por outro lado os valores mudariam. E todos saberiam que essa história de "pátria de Deus" não existe. A Revolução Científica do século XVII, impulsionada pelos próprios colonos, veio transformar o espírito empreendedor dos puritanos, que logo transformou-se em ianque. A marcha para o oeste no século XIX deve-se a isso. Então o que era bíblico tornou-se obsoleto. A teocracia converteu-se em capitalismo arcaico. E logo os ideais da Revolução Francesa, e da Marselhesa, eram absorvidos nas colônias da Nova Inglaterra...

Assim, o país que em 1783 possuía cerca de 2 milhões de Km2, passou para os atuais mais de 9 milhões de Km2, contando com mais de 1,5 milhão Km2 do Alaska. E tudo isso graças à marcha para o oeste, ao Destino Manifesto, que pelo qual se propunham a ser o país que levaria a moral judaico-cristã para todo planeta terra. Esta é a razão principal pelo qual os norte-americanos estão intervindo em várias guerras pelo mundo, desde a 1ª guerra mundial. Além da ganância de seu empresariado, claro. Pois estes mantém a moral dos puritanos apenas no nome. São como os petroleiros do Texas, que apenas visam o lucro de suas companhias no Oriente Médio.

O atual país norte-americano é fruto de tudo isso. É fruto das ideias de Max Weber, o sociólogo alemão que acreditava existir um capitalismo honesto, baseado na moral e honestidade protestante. Esse é o país empreendedor que, desde o empresário Richard Sears, do estado de Minnesota, até o empresário e engenheiro mecânico Henry Ford, do estado de Michigan, conseguiu se tornar o 1° país do mundo. Mas, assim como o antigo império romano, sua grandeza anuncia sua ruína.

Referências bibliográficas

1)HENDERSON, William Otto. A Revolução Industrial:1780-1914. Tradução:Maria Ondina. Verbo: Editora da USP. 1979.

2)CRÉTÉ, Liliane. As raízes Puritanas. Revista História Viva, nº 17, ano II. Tradução:Alexandre Agabiti Fernandez. Editora Duetto. 2005.

3)MICKLETHWAIT,John e WOOLDRIDGE,Adrian. COMPANHIA: Breve história de uma idéia revolucionária. Tradução:S.Duarte. Editora Objetiva. 2003.

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