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sexta-feira, 25 de dezembro de 2020

Senhor dos francos, protetor do papado

Hoje faz 1220 anos que foi coroado Carlos Magno, na Catedral de São Pedro, em Roma. O primeiro rei que unificou a Europa, após a queda do Império Romano. Se existiu um berço para uma Europa unificada, uma espécie de proto União Europeia, veio dele.

Carlos Magno era um gigante para sua época, quase 1,90m. Sendo um gigante na cultura também, promovendo o famoso "renascimento carolingio", que começou a devolver a leitura e ciências para a Europa, após a queda do Império Romano. Apesar disso, era completamente analfabeto, somente aprendendo a ler aos 32 anos. E usou seu próprio renascimento cultural para se informar na literatura cristã medieval. Gostava de debates de temas teológicos, tendo rejeitado o marianismo que vinha do Império Bizantino, na época chamado de Império Romano do Oriente. Isso fez ele entrar em certos conflitos com o papa Adriano I, também seu amigo pessoal.

Muitos hoje não sabem, mas a veneração por Maria não provém da Igreja Romana, mas das igrejas ortodoxas. Tal veneração não surgiu em Roma, mas na esfera helenística de Bizancio, no concílio de Éfeso(431 AD), ao dizer "Maria mãe de Deus", ao invés de "Maria mãe de Cristo". As divisões teológicas entre Roma e Bizancio eram maiores do que hoje. E não só isso, as divisões políticas também. E no reinado de Carlos Magno isso ficaria por demais evidente.

Carlos Magno, rei dos francos e dos lombardos, assumiu o reino franco no ano 771. Mas não seria coroado rei. Não ainda. Imediatamente passou a fase de conquistas. Em 774 conquista o reino de Desiderio, da Lombardia, tornando-se então rei dos lombardos. E fez isso, a princípio, para defender o papa Adriano I, que se tornou grato ao rei, desde então. Suas conquistas pareciam não ter fim. Envolveria os saxões, que lhe dariam um trabalho imenso; os árabes da península ibérica, que para isso faria um tratado de paz com Harun Al-Hashid, califa de Bagdá, que também pretendia derrotar os árabes da Iberia. O único inimigo que ele viu que não daria para vencer foram os vikings, onde de fato iriam invadir seu reino, bem depois da sua morte.

Carlos pegou um reino inculto, mas colocou o clero romano para educar seu povo, e até a ele mesmo. Não havia outra saída na época. O latim passou a habitar as missas na francônia(França e Alemanha atuais), fazendo o povo presenciar um teatro sacro na missa, do qual não entendiam nada. Muitos movimentos rebeldes contra a igreja surgiriam mais tarde por causa disso.

No dia 25 de dezembro de 795, falecia o papa Adriano I, amigo pessoal do rei dos francos,então com 95 anos. E também daria adeus a seu aliado de debates teológicos. Carlos ficou muito triste, mas nem conseguiu imaginar que perdera muito mais que um amigo. Com a morte de Adriano, o delicado equilíbrio que havia entre as monarquias germânicas e o papado terminara. Muitas coisas ruins aconteceriam até mesmo depois da morte do rei. Para a igreja, e para o estado.

O trono de Carlos ficava na cidade de Aquisgrano, na época em território belga, hoje seria a cidade alemã de Aachen(ou Aix-la-Chapelle em francês), onde Carlos recebia seus vassalos, senhores feudais que lhe deviam obediência. E dependiam totalmente dele, pois no tempo do seu reinado ainda não havia a capitular de Quirzy-sur-Oise, que determinava o princípio de hereditariedade dos feudos, dando uma profunda independência da nobreza em relação à realeza feudal germânica. Essa capitular seria baixada por seu neto Carlos, o calvo, em 877. E aprofundou as dificuldades feudais, assim como retirou boa parte da autoridade real.

Uma outra coisa que enfraqueceria a autoridade real seria a concordata de worms, em 1122. Esta concordata retiraria dos imperadores germânicos, sucessores de Carlos Magno, a autoridade de nomear os bispos. Esta nomeação agora caberia ao papa. A monarquia germânica não era hereditária, mas eletiva. Então o imperador era um dos duques germânicos, eleito pelos outros. E o que garantia sua governabilidade eram os bispos, com suas terras. Assim, sem poder sobre os bispos, o imperador perdia o controle sobre os duques. Os bispos não seriam mais funcionários do estado, mas vassalos do Império. E não devolveram os territórios recebidos pelo imperador, se tornando verdadeiros senhores feudais do século XII. Esta associação de reis medievais e o clero, numa lógica "em nome do pai e dos feudos", ainda sairia caro para a igreja, e para muitas monarquias medievais. Quantas coisas adversas ocorreram após a morte de Carlos Magno....

Com a morte do papa Adriano I, assumiu Leão III. E não foi uma posse fácil, pois a nobreza italiana era em peso contra ele. Ele não tinha ascendência nobre como Adriano, nem tinha a etiqueta e a educação do antigo papa. Chegou a ser sequestrado e espancado por adversários da nobreza romana. Foi libertado pelo rei dos francos, indo com ele até Roma no ano 799. Mas o papa viu que o rei franco possuia um carisma devoto pelo povo italiano que ele não tinha. Foi então que lhe surgiu a ideia de coroar o rei.

Assim, na manhã do dia 25 de dezembro do ano 800, exatamente cinco anos depois da morte do papa Adriano I, o papa Leão III procedeu com uma atitude desconhecida da história da igreja cristã. Nos moldes dos profetas do antigo testamento, o papa deu a entender a todos que um rei só era rei se fosse coroado e sagrado pela graça de Deus, ou seja, do papa. Isso inaugurou essa prática anti bíblica que atravessou os séculos da idade média. E assim, uma multidão da basílica de São Pedro gritava:"Longa vida e vitória a Carlos Augusto(atributo divino), coroado por Deus, poderoso imperador dos romanos e amante da paz." Só tem dois detalhes: Carlos nem era amante da paz, nem imperador dos romanos, pois esse título cabia ao imperador de Constantinopla, ao monarca do Império Bizantino. Mas, com os reinos árabes islâmicos arrombando as portas do Império de Constantinopla, Bizancio não poderia reagir a essa provocação. Nesse ponto, tem razão o historiador Henri Pirenne, ao dizer que "Maomé foi o primeiro a tornar Carlos Magno possível". E eu diria não só Carlos Magno, mas também a própria autoridade universal do papado, que mais tarde, cerca de 700 anos depois, seria rebatida pela Reforma Protestante. Mas isso já é outra história...

Referências bibliográficas:

1) PIRENNE, Henri. HISTÓRIA ECONÔMICA E SOCIAL DA IDADE MÉDIA. Editora Mestre Jou. 1978.

2) BANFIELD, Susan. Grandes Líderes: CARLOS MAGNO. Nova Cultural. 1988.

3) KÜNG, Hans. A IGREJA CATÓLICA. Editora Objetiva. 2001.

Estátua de Carlos Magno, em Frankfurt, Alemanha.

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