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segunda-feira, 30 de outubro de 2023

Batalha de Viena - O crepúsculo do domínio otomano

Cavaleiros Hussardos alados

Em tempos em que a Turquia, e o presidente Erdogan, busca supremacia até no continente europeu, parece oportuno falar daquilo que foi a última tentativa de invasão de um império islâmico na Europa: O Império Otomano! Uma dinastia turca surgida numa época em que muitos reinos asiáticos ascendiam e caíam, tudo por causa dos ataques mongóis desde o século XIII.

O império otomano, nascido no século XIV e se expandindo rapidamente, começou a adentrar o continente europeu ainda em meados do século XV. Desde o fim do século XIV que já havia Cruzadas defensivas dos países balcânicos contra os otomanos. Em 1408 nasceria a conhecida Ordem do Dragão, criada pelo imperador do Sacro Império Sigismundo de Luxemburgo. Ordem de cavalaria anti islâmica que tinha vários príncipes dos Bálcãs como membros, e até mesmo reis de Aragão, na península Ibérica. O objetivo era defender Constantinopla e até os reinos cristãos da Europa da maré otomana. Muitos príncipes europeus tinham codinomes derivados da ordem, como Constantino Dragases, o último imperador de Constantinopla, ou Vlad Draculea(conhecido por histórias de vampiros), por se tornarem defensores da cristandade.

Com a morte do sultão Maomé II, o conquistador de Constantinopla, em 1481, o império otomano já tinha conquistado a região dos Bálcãs. Tendo o sultão Selim I(1470-1520) dado um descanso para a Europa, pois se voltaria para a Ásia, o filho deste, Solimão, o magnífico(1494-1566), se voltaria para a Europa novamente. Com a Batalha de Mohács(1526), o reino da Hungria teve seu exército destroçado pelos otomanos, e o próprio rei Luís II morto no campo de batalha. Seu corpo nunca mais foi encontrado. Era o fim da independência da Hungria. E um nobre chamado João Szapolyai, aliado dos otomanos, seria o último rei do país.

Uma minoria de nobres reconheceu Fernando de Habsburgo, irmão de Carlos V do Sacro Império, como sucessor do trono, e depuseram João Szapolyai. Não queriam um aliado dos turcos como soberano da Hungria. João fugiu para a Polônia e pediu ajuda a Solimão para recuperar o trono. Em 1528 o sultão entrou triunfante em Budapeste para coroar seu vassalo. Um ano depois, o sultão trouxe um exército de 120 mil e cercou Viena. O fato comoveu todo continente europeu. A cidade recebeu ajuda de tropas espanholas e resistiu a vinte assaltos. Os otomanos voltariam em 1532, mas aí Carlos V resgataria a cidade. Seria preciso os otomanos esperarem 150 anos para o próximo cerco à Viena.

Em 1540, com a morte de João Szapolyai, Solimão avançou sobre a Hungria central e formou um governo. Encontrou resistência de Fernando Habsburgo na parte da Hungria imperial. Mas em 1571, Estêvão Bathory assumiu o trono polonês, se aproveitou da resistência anti Habsburgo na Hungria, aceitou a vassalagem otomana e reinou sobre uma parte do país, garantindo assim uma relativa independência da Hungria.

No século XVI era interessante notar que muitos preferiam ser vassalos dos turcos a serem submissos a um império católico. Era aquele ditado que muitos cristãos protestantes e ortodoxos diziam na época:"Preferimos o turbante do sultão ao chapéu do papa". Essa lógica vai fazer entender muitas coisas mais tarde. A Guerra dos Trinta Anos(1618-1648), entre católicos e protestantes, tendo inclusive a França católica lutando do lado protestante, traria consequentes raciocínios sobre "traição" entre vários cristãos. Principalmente sobre quem foi a pessoa responsável sobre a decisão da França lutar do lado das potências protestantes, como a Suécia. Foi o primeiro ministro da França, o cardeal Armand du Plessis de Richelieu. Retratado por Alexandre Dumas em "Os três mosqueteiros", foi um clérigo mais próximo do trono francês, do que do papa. Todo esse emaranhado de alianças improváveis serviu para mostrar o quanto o mundo mais vale a política, que a religião.

Durante o decorrer do século XVI, o mar mediterrâneo, e principalmente o Oceano Índico, viu chegar os ingleses em seus mares. Depois vieram os holandeses. Essas eram potências economicamente mais fortes, e politicamente mais implacáveis que Portugal. Por outro lado, o mundo otomano no século XVI era muito mais abrangente que o europeu. Os súditos do sultão somavam cerca de 14 milhões. A Espanha tinha 5 milhões, e a Inglaterra 2,5 milhões. Constantinopla, que na sua queda tinha 40 mil, aumentou 10 vezes mais. Porém, nessa época, o triunfo otomano foi pouco duradouro. Desafiado pelos Habsburgos na Europa, Moscóvia, além de guerras contra os Safávidas no Irã, as tropas otomanas iam se retirando pouco a pouco da Hungria, do Cáucaso e do Iraque. Na Batalha de Lepanto(1571) os otomanos enfrentaram a Liga formada pela Espanha, Veneza e Malta, sendo derrotados por João d'Áustria. A derrota sofrida pela armada otomana fez anular as conquistas de Solimão. No final do século XVII, na época da última tentativa de invasão à Viena, muitos avanços obtidos durante o reinado de Solimão haviam se perdido.

A captura da cidade de Viena sempre foi uma aspiração estratégica do Império Otomano, devido ao controle que a cidade tinha sobre o Danúbio e as rotas comerciais terrestres para a Alemanha e o Mediterrâneo Oriental. Durante os anos anteriores ao cerco, o Império Otomano, sob os auspícios do grão-vizir Kara Mustafa Pasha(1635-1683), empreendeu extensos preparativos logísticos, incluindo a reparação e estabelecimento de estradas e pontes que conduzem ao Sacro Império Romano e aos seus centros logísticos, bem como o encaminhamento de munições, canhões e outros recursos de todo o Império para estes centros e para os Balcãs. O Cerco de Szigetvár em 1566 bloqueou o avanço do Sultão Solimão, o Magnífico, em direção a Viena e interrompeu o avanço otomano em direção à cidade naquele ano. Viena não foi ameaçada novamente até 1683. Em 1679, a peste assolava a cidade.

Na frente política, o Império Otomano vinha fornecendo assistência militar aos húngaros e às minorias não católicas nas partes da Hungria ocupadas pelos Habsburgos. Lá, nos anos anteriores ao cerco, a agitação generalizada transformou-se em rebelião aberta contra a busca de Leopoldo I pelos princípios da Contra-Reforma e o seu desejo de suprimir o protestantismo. Em 1681, os protestantes e outras forças anti-Habsburgos, lideradas por Imre Thököly(1657-1705), foram reforçados com um contingente militar significativo dos otomanos, que reconheceram Thököly como rei da "Alta Hungria"(a parte oriental da atual Eslováquia, e partes do nordeste da Hungria, que ele havia anteriormente tomado à força dos Habsburgos). Este apoio incluía a promessa explícita do "Reino de Viena" aos húngaros se este caísse em mãos otomanas. No entanto, antes do cerco, existia um estado de paz há 20 anos entre o Sacro Império Romano e o Império Otomano como resultado da Paz de Vasvár.

O Rei da Polônia, João III Sobieski(1629-1696), o verdadeiro herói desta batalha, preparou uma expedição de socorro a Viena durante o verão de 1683, honrando as suas obrigações para com o tratado, e partiria de Cracóvia em 15 de agosto. Durante este período a maior parte da Polónia ficaria em grande parte indefesa e, aproveitando a situação, Imre Thököly da Alta Hungria, como estado vassalo otomano, tentaria uma invasão. Jan Kazimierz Sapieha, o Jovem, atrasou a marcha do exército lituano, fazendo campanha nas Terras Altas da Hungria, e chegou a Viena somente depois de ter sido substituído.

O principal exército otomano sitiou Viena em 14 de julho. No mesmo dia, Kara Mustafa enviou a tradicional exigência de que a cidade se rendesse ao Império Otomano. Ernst Rüdiger Graf von Starhemberg, líder dos restantes 15.000 soldados e 8.700 voluntários com 370 canhões, recusou-se a capitular. Apenas alguns dias antes, ele recebeu a notícia do massacre em Perchtoldsdorf, uma cidade ao sul de Viena, onde os cidadãos entregaram as chaves da cidade depois de terem tido uma escolha semelhante, mas foram mortos de qualquer maneira. Então não dava para cnfiar. E nesta batalha nem tudo saiu como esperado. Tropas da Valáquia e da Moldávia foram requisitadas pelos otomanos. Alguns vieram. Outros lutaram do lado dos imperiais e poloneses. E mesmo aqueles que lutaram do lado otomano, sabotaram os canhões. Colocaram balas de canhão leves, que poucos danos causariam nas muralhas de Viena. Parece que os ataques aos Bálcãs no século XV não haviam sido esquecidos. Por outro lado, Imre Thököly, como líder protestante, preferia ficar do lado islâmico, do que lado católico. Natural, para uma época moderna, em que a política secular valeria mais que a religião. O assalto otomano à Viena tinha sido coordenado em aliança com o rei francês Luís XIV. E, talvez mais da metade dos soldados que procuravam capturar a cidade eram cristãos. Haviam gregos, armênios, húngaros, búlgaros, romenos e sérvios. Todos lutando do mesmo lado que árabes, turcos, curdos e outros nas fileiras otomanas. O acadêmico britânico Ian Almond, em seu livro "Duas fés, uma bandeira: Quando muçulmanos e cristãos lutaram juntos nos campos de batalha da Europa", fala da complexa teia de relações de poder, alianças feudais, simpatias étnicas e ressentimentos históricos que moldaram boa parte da história européia. Histórias como de Frederico II Hohenstaufen, sacro imperador alemão no século XIII, que tinha uma guarda sarracena em seu palácio na Sicília.

O cerco otomano cortou praticamente todos os meios de abastecimento de alimentos para Viena. A fadiga tornou-se tão comum que von Starhemberg ordenou que qualquer soldado encontrado dormindo durante o serviço fosse baleado. Cada vez mais desesperadas, as forças que controlavam Viena estavam à beira da derrota quando, em agosto, as forças imperiais comandadas por Carlos V, duque de Lorena(1643-1690), derrotaram Thököly em Bisamberg, a 5 km a noroeste de Viena. Em 6 de setembro, os poloneses sob o comando de Sobieski cruzaram o Danúbio 30 km a noroeste de Viena, em Tulln, para se unirem às tropas imperiais e às forças adicionais da Saxônia, Baviera, Baden, Francônia e Suábia. Às forças também se juntaram vários regimentos mercenários de cossacos zaporozhianos, contratados pela Comunidade Polaco-Lituana.

Uma aliança entre Sobieski e o imperador Leopoldo I resultou na adição dos hussardos poloneses ao exército aliado existente. O comando das forças aliadas europeias foi atribuído ao rei polaco, conhecido pela sua vasta experiência na liderança de campanhas contra o exército otomano. Notavelmente, ele alcançou uma vitória decisiva sobre as forças otomanas na Batalha de Khotyn (1673) e agora comandava um exército de 70.000 a 80.000 soldados, combatendo uma suposta força otomana de 150.000. A coragem e aptidão de Sobieski para o comando já eram conhecidas na Europa.

Quem eram os cavaleiros hussardos poloneses? A etimologia da palavra hussardo deriva da palavra sérvia gusar que significa "andarilho/brigador". Os hussardos se originaram em unidades mercenárias de guerreiros sérvios exilados da Hungria. Lanceiros mercenários de origem sérvia, conhecidos como Rascians, eram frequentemente contratados para combater os sipahi e a cavalaria de delicatessen otomanos . No século XV, os hussardos baseados nos de Matthias Corvinus foram adotados por alguns exércitos europeus para fornecer unidades de cavalaria leves e descartáveis. A referência mais antiga de hussardos nos registros poloneses data do ano de 1500, quando os rascianos foram contratados pelo Grande Tesoureiro Andrzej Kościelecki para servir sob a bandeira da casa real. No entanto, é possível que estivessem em serviço muito antes e a sua contribuição não estivesse bem documentada. À medida que os ataques otomanos na fronteira sudeste se intensificavam, a chamada Reforma Rasciana(1500-1501) durante o reinado de João I Alberto solidificou o papel de um dos primeiros hussardos nas fileiras polacas. A primeira formação de hussardos foi estabelecida pelo decreto do Sejm(parlamento polonês) em 1503, que contratou três bandeiras húngaras. Logo, o recrutamento também começou entre os poloneses. Sendo muito mais dispensáveis do que os lanceiros fortemente blindados da Renascença, os hussardos servo-húngaros desempenharam um papel bastante menor nas vitórias da Coroa polaca durante o início do século XVI, exemplificadas pelas vitórias em Orsha (1514) e Obertyn (1531). Durante o chamado "período de transição" de meados do século 16, os hussardos pesados substituíram em grande parte os lanceiros blindados montados em cavalos blindados, nas Obrona Potocznaforças de cavalaria polonesas que serviam na fronteira sul. Entre o século XVI e a Batalha de Viena em 1683, os Hussardos travaram muitas batalhas contra vários inimigos, a maioria das quais venceram. Nas batalhas de Lubiszew em 1577, Byczyna(1588), Kokenhausen(1601), Kircholm(1605), Klushino(1610), Chocim(1621), Martynów(1624), Trzciana(1629), Ochmatów(1644), Beresteczko(1651), Połonka(1660), Cudnów(1660), Khotyn(1673) e Lwów (1675).

Mapa da Europa na segunda metade do século XVII

A batalha começou antes que todas as unidades estivessem totalmente implantadas. Às 4h00 da madrugada do dia 12 de setembro, o exército otomano atacou, tentando interferir no envio de tropas da Liga Sagrada. Os alemães seriam os primeiros a contra-atacar. Carlos de Lorena avançou com o exército imperial à esquerda e outras forças imperiais no centro e, após intensos combates e múltiplos contra-ataques otomanos, assumiu várias posições-chave, em particular as aldeias fortificadas de Nussdorf e Heiligenstadt. Ao meio-dia, o exército imperial infligiu danos significativos às forças otomanas e estaria perto de um avanço.

Está registrado que a cavalaria polonesa emergiu lentamente de uma floresta próxima sob os aplausos da infantaria que esperava sua chegada. Às 16 horas, um destacamento de 120 hussardos engajou-se numa carga de cavalaria pesada, provando com sucesso a vulnerabilidade otomana ao ataque, mas sofrendo muitas baixas. Neste ponto, o vizir otomano decidiu abandonar esta posição e retirar-se para o seu quartel-general no acampamento principal mais a sul. No entanto, a essa altura muitos soldados otomanos já estavam deixando o campo de batalha.

O exército de socorro estava agora pronto para um ataque final. Por volta das 18 horas, o rei polonês ordenou que a cavalaria atacasse em quatro contingentes, três grupos poloneses e um do Sacro Império Romano-Germânico. 18.000 cavaleiros atacaram colinas abaixo, o maior ataque de cavalaria da história. Sobieski liderou o ataque à frente de 3.000 lanceiros pesados ​​poloneses, os "Hussardos Alados". Os tártaros Lipka que participaram do lado polonês usavam um ramo de palha em seus capacetes para distingui-los dos tártaros que lutavam no lado otomano. A carga rompeu rapidamente as linhas de batalha dos otomanos, que já estavam exaustos e desmoralizados e começariam a recuar do campo de batalha. A cavalaria dirigiu-se diretamente para os campos otomanos e para o quartel-general de Kara Mustafa, enquanto a guarnição vienense restante saiu de suas defesas para se juntar ao ataque.

As forças otomanas estavam cansadas e desanimadas após o fracasso da tentativa de enfraquecimento, o ataque à cidade e o avanço da infantaria da Liga Sagrada sobre o Türkenschanze. Menos de três horas após o ataque decisivo da cavalaria, as forças da Liga Sagrada venceram a batalha e defenderam Viena com sucesso. O primeiro oficial católico que entrou na cidade foi Luís Guilherme, Marquês de Baden-Baden, à frente dos seus dragões. Posteriormente, Sobieski parafraseou a famosa citação de Júlio César(Veni, vidi, vici ) dizendo "Venimus, vidimus, Deus vicit " - "Viemos, vimos, Deus conquistou".

De acordo com Walter Leitsch, historiador da Universidade de Viena, a derrota do exército Otomano fora dos portões de Viena, há 340 anos, é geralmente considerada o início do declínio do Império Otomano. No entanto, marca um ponto de viragem: não só foi interrompido o avanço otomano nos territórios cristãos, mas também na guerra seguinte que durou até 1698, quase toda a Hungria foi reconquistada pelo exército do imperador Leopoldo I. A partir de 1683, os turcos otomanos deixaram de ser uma ameaça para o mundo cristão.

Referências Bibliográficas

1.Atlas da História Universal, The Times, O Globo. Patrocínio:CCBB. 2001.
2.BURNS, Edward McNall. História da Civilização Ocidental. Volumes I e II. Tradução: Lourival Gomes Machado, Lourdes Santos Machado, Leonel Vallandro. 21ª Edição. Editora Globo. Porto Alegre, RS. 1978.

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