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terça-feira, 10 de outubro de 2023

HIV: A descoberta 40 anos depois

Muitos de nós, que vivemos os anos 80 e 90 no século XX, lembramos da descoberta, e da febre(e medo), da AIDS. Muitas pandemias já assolaram o mundo, mas a AIDS não é uma delas. É uma doença silenciosa, de período incubatório longo. Não faz o feitio das pandemias que já estiveram sobre a terra.

O termo AIDS (Acquired Immunodeficiency Syndrome) foi utilizado pela primeira vez em 1982, quando ainda era desconhecido o agente causador da doença. Foi por intermédio do Centers for Disease Control(CDC), nos EUA, que ocorreu a classificação para denominar a epidemia apelidada de "câncer gay" no Brasil. Ela foi atribuída a homens homossexuais de Los Angeles, Nova Iorque e São Francisco. E ainda ocorriam boatos que esse vírus teria sido "fabricado em laboratório por virologistas ingleses na África". O HIV é um retrovírus, possuindo um envelope lipídico, um capsídeo e o RNA viral. Possui também a proteína chamada Transcriptase Reversa, que converte RNA em DNA.

Na manhã de domingo do dia 12 de junho de 1983, leitores do Jornal do Brasil no Rio de Janeiro, e Notícias Populares de São Paulo, acordaram com a seguinte manchete: "Brasil registra dois casos de 'câncer gay', e a 'peste gay' já apavora São Paulo". Como a Peste Negra do século XIV na Europa, a epidemia foi associada a um castigo divino. Em 1985, já se associava a doença a sintomas de Sodoma e Gomorra.

Muitas terapias têm sido testadas desde aquela época. Medicamentos como AZT(Azidotimidina), assim como o DDI(Didanosina), é um antirretroviral direcionado a inibir a proteína chamada Transcriptase Reversa, que no HIV faz o RNA viral sintetizar DNA. Sim, isso mesmo! Como os vírus não são seres vivos, nem sempre seguem a ordem DNA —> RNA → Proteínas, como existe nos processos bioquímicos dos seres vivos. Nenhum dos dois foi criado para o HIV, mas foram utilizados como antirretrovirais após a descoberta do Dr. Luc Montagnier em 1983.

Antirretrovirais, como o caso do Fuzeon, são grandes descobertas. Este seria uma espécie de "pílula do dia seguinte para grupos de risco", como se pode dizer. Este é um antiviral que interfere na fusão do envelope viral com a membrana celular dos linfócitos T4. Quando as pessoas acham que tiveram contato com o HIV, tomam este medicamento para evitar qualquer penetração do vírus na célula. Outro seria o Ritonavir, que age com bloqueio de proteases. Ele impede o desmonte da mega molécula proteica que daria origem ao capsídeo, envelope viral e a enzima viral. Já o AZT impede a ação da Transcriptase Reversa. Impede que a cadeia de DNA seja montada pelo RNA viral.

O HIV foi detectado pela primeira vez em infecções em 1981, nos EUA. Mas sua descoberta, e mapeamento, foi em 1983 na França. Foi feito pelo virologista Dr. Luc Montagnier(1932-2022), e a Dra. Françoise Barré-Sinoussi(1947- ), ambos do Instituto Pasteur(França). E, simultaneamente, descoberto pelo Dr. Robert Gallo(1937- ), da Universidade de Marlyland(EUA). Dr. Robert Gallo se inspirou no Dr. David Baltimore(1938- ), que criou a Classificação de Baltimore, que classifica os vírus em grupos. Então o Dr. Robert Gallo começou suas pesquisas sobre os retrovírus, ou seja, vírus que não só são de RNA, mas seus RNAs podem montar cadeias de DNA. E fazem isso mediante uma proteína chamada Transcriptase Reversa. Dessas pesquisas nasceu a descoberta do HIV nos EUA. Em 1987, os presidentes Ronald Reagan e Jacques Chirac, dos Estados Unidos e França respectivamente, chegaram a um acordo de co-autoria entre os dois cientistas franceses e o norte americano.

O boato que se divulgou a respeito do HIV, como tendo sido "fabricado em laboratório na África" se deve à confusão que se faz entre o HIV-2, segunda variante do HIV, só encontrado na África Ocidental, e o SIV(Vírus da Imunodeficiência Símia). As pessoas fazem muitas confusões biológicas com que não se sabe. Assim como o então presidente do Brasil, Jair Bolsonaro, alegou haver HIV nas vacinas da Pfizer contra o vírus "sars cov 2", sendo que os dois vírus nem "parentes" são, pela classificação de Baltimore. E isso muito espantou o Dr. Robert Gallo da Universidade de Maryland, que perguntou como deixamos um presidente "que não é da área" dar palpite sobre essas coisas. Esse último boato surgiu por causa de uma matéria da Revista Exame, que foi mal compreendido.

Muitos antirretrovirais, como AZT e o DDI, foram usados. Mas, além de gerarem muitos efeitos colaterais(antivirais são bem mais pesados que antibióticos e antifúngicos), forçaram a seleção natural viral, fazendo aparecer os resistentes. Por isso se buscou saídas alternativas para essas falências terapêuticas, como trabalhos naturais com moléculas extraídas de vegetais, que apresentaram ação inibidora de replicação do HIV. Substâncias retiradas de plantas, como ácido platânico e ácido betulínico, são usadas em lugar de antivirais tradicionais. Existem, nesses vegetais, substâncias inibidoras da Transcriptase Reversa, como é o caso dos calanolídeos.

Assim como substâncias do guaco combatem o Trypanossoma Cruzi, protozoário da doença de Chagas. Substâncias como o Galato de Epigalocatequina(EGCG), isolado do chá verde, que impede a ligação da glicoproteina 120 do HIV-1 com a molécula CD4 de nossos linfócitos T, está sendo usada como alternativa natural anti-HIV.

E ainda há o uso de terapia gênica, como o uso do CRISPR/Cas9 em mutações artificiais. O CRISPR(do inglês Clustered Regularly Interspaced Short Palindromic Repeats) aliado à proteína Cas9, conhecido como tesoura genética, foi criado para uso de edições genéticas em vírus bacteriófagos. E o Cas9 é uma enzima que usa sequências CRISPR como guia para reconhecer, e abrir cadeias específicas de DNA, que são complementares à sequência CRISPR. E essa terapia de tesoura é usada para bloquear a entrada do HIV na célula através da deleção do gene CCR5. Isso porque os receptores CD4 são importantes na célula, não sendo recomendável sua inativação. Sabendo que a mutação natural do gene CCR5 é uma condição autossômica recessiva que existem(por exemplo) em cerca de 10 a 20% da população europeia. Indivíduos que possuem a inativação do CCR5 podem viver de forma saudável, mesmo tendo o HIV. E foi justamente de uma mutação natural do CCR5 que surgiu a quarta cura do HIV nestes últimos anos. Um paciente, portador do HIV desde os anos 80, adquiriu leucemia e precisou receber transplante de medula óssea na Universidade da Califórnia(EUA). Como o doador compatível tinha o CCR5 inativado, ele adquiriu isso, resultando na cura do HIV. A ciência avança a passos largos nesse início de século XXI….

Referências Bibliográficas

1.Vírus – Inimigos Úteis. Scientific American, nº28, Segmento – Duetto Editorial LTDA, 2008
2.HISTÓRIA. Dossiê Homossexualidades: da perseguição à luta por igualdade. Revista da Biblioteca Nacional, ano 10, n. 119, 2015.
3.Antivirais, 2021. Prof Alexandre Lourenço. https://www.youtube.com/watch?v=VqCcwlaTk2o

2 comentários:

  1. Meu amigo, eu nunca peguei um texto para ler sobre a AIDS. Tudo que eu sabia era pq alguém falou ou alguma reportagem rápida. Gostei mto de ler sua postagem. "Câncer Gay" quantos absurdos né?! Vírus fabricado... é tão atual essa santa ignorância! Tomara mesmo que os avanços nesse século sejam concretizados. Não só para o HIV, mas para tantas outras doenças mortais. Principalmente o câncer.

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    1. Sim, Denize. Essa história de "câncer gay" eu já lembrava. Mas muitos outros detalhes eu não sabia, antes da pesquisa para esse texto. E estamos aí sempre para colaborar para o fim da ignorância....

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