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quinta-feira, 12 de outubro de 2023

Saladino - O rei do Oriente

Em tempos em que o mundo islâmico necessita se mostrar pacífico e equilibrado, é preciso falar do maior ícone da História islâmica. Alguém que transcendeu a rivalidade atual, como Israel, Hamas, Hezbollah,etc. Até mesmo transcendeu a rivalidade nas cruzadas. Quando se fala nas cruzadas, muitas pessoas pensam como um só evento, mas foram vários. Não só as oito cruzadas para Jerusalém e norte da África, mas também no Báltico contra tribos politeístas, além de cruzadas nos Bálcãs contra os otomanos a partir do final do século XIV. Isso somado ao fato desse termo "cruzadas" sequer existir na idade média europeia. Falava-se muito em "tomar a cruz". Talvez daí tenha surgido esse nome adotado hoje.

No final do século XII, um grande líder islâmico surgiria em meio aos curdos. Seu nome era Al-Malik Al-Nasir Salah Al-Dunya Wa'l-Din Abu'l Muzaffar Yusuf Ibn Ayyub Shadi Al-Kurdi, conhecido no Ocidente como Saladino. Um nobre curdo dos ayúbidas, tido como herói do islã até os dias de hoje. Quem está acostumado a ver prisioneiros com a cabeça decepada pela Al Qaeda, pode ter certeza que eles nada aprenderam com o maior líder islâmico da História. Líder carismático, implacável na luta, generoso na vitória. Aquele que seria conhecido como o maior adversário do rei Ricardo, Coração de Leão, da Inglaterra, durante a terceira cruzada. De família curda, Yusuf nasceu em 1137 nas montanhas de Tikrit, no atual Iraque. Curiosamente, a mesma cidade natal de Saddam Hussein. O pai dele, Najm Ad-Dim, tornou-se comandante da fortaleza do líder Zengi, em Baalbek, no Líbano atual. Seu tio, Xirkuh, chefiava o exército quando Zengi tomou Edessa em 1144.

Em 1146, com a morte de Zengi, subiu ao trono Nur Al-Din(1118-1174), da facção sunita. Em 1164 este rei enviou tropas para invadir o Egito. Xirkuh, tio de Saladino, era o líder do exército. Ele morreu algum tempo depois engasgado num jantar. Segundo o escritor paquistanês Tariq Ali, no Livro de Saladino, Xirkuh morreu de tanto comer. Saladino teria ficado tão traumatizado com isso que passou o resto da vida comendo pratos vegetarianos. Sim, isso mesmo! O maior herói da História islâmica se tornou vegetariano!

Em 1169, Saladino se tornou vizir de Nur Al-Din. Dois anos depois, eliminou todos os fatímidas(descendentes de Fátima e Ali, filha e genro de Maomé) do reino. Isso resultou numa elevação perante a corte do Califado de Bagdá. Saladino se tornou sultão do Egito desde então. Com a morte de Nur Al-Din ele ocupou Damasco e unificou o reino. Agora Saladino era governante absoluto, pois entenderia seu reino até a alta mesopotâmia.

Em 1177, já em conflitos contra os estados cruzados, Saladino perde a Batalha de Montgisard para outra lenda das cruzadas, Balduíno IV, o rei leproso de Jerusalém. E perdeu tendo muito mais tropas que o rei cristão. A vitória de Balduíno nesta batalha foi relatada muitos anos depois como um verdadeiro milagre. Algo que jamais poderia ter acontecido.

O rei Balduíno IV(1161-1185)e Filipe da Alsácia(1143-1191) que haviam chegado recentemente em peregrinação, planejaram uma aliança com o Império Bizantino para um ataque naval ao Egito. No entanto, nenhum desses grandes planos se concretizou. Em vez disso, Filipe decidiu se juntar à expedição de Raimundo de Trípoli(1140-1187) para atacar a fortaleza sarraceno de Hama, no norte da Síria. Um grande exército cruzado, o Hospitalário dos Cavaleiros e muitos cavaleiros templários o seguiram. Isso deixou o Reino de Jerusalém com muito poucas tropas para defender seus vários territórios. Enquanto isso, Saladino estava planejando sua própria campanha mobilizada do Egito, com o objetivo de retomar a Cidade Santa pela força, e partiu em 18 de novembro de 1177. Quando ele foi informado da expedição para o norte, deixando a "Cidade Santa" desprotegida, ele não perdeu tempo em mobilizar suas forças, invadindo o reino com um exército de cerca de 30.000 homens. Sabendo dos planos de Saladino, Balduíno IV deixou Jerusalém com, de acordo com Guilherme de Tiro, apenas 375 cavaleiros para tentar uma defesa em Ascalon. No entanto, Balduino foi interceptado e cercado lá por uma vanguarda avançada de tropas enviadas por Saladino.

Saladino continuou sua marcha em direção a Jerusalém, pensando que Balduíno não se atreveria a segui-lo com tão poucos homens à sua disposição. Ele atacou Ramla, Lydda e Arsuf, e avaliando que Balduino não era um perigo para suas forças, ele permitiu que seu exército fosse espalhado por uma grande área, saqueando e forrageando. O excesso de confiança de Saladino sobre o tamanho de seu próprio exército parece ter sido parte de seu desmoronamento. No entanto, sem o conhecimento de Saladino, as forças que ele deixou para subjugar o rei tinham sido insuficientes e foram superadas. E agora ambos, Balduíno e os Templários, tendo vindo de Gaza, estavam marchando para interceptá-lo antes de chegar a Jerusalém. Além disso, com suas forças sendo amplamente dispersas, a comunicação, o comando e o controle eram, na verdade, inexistentes. Os cristãos, liderados por Balduíno IV(na época com 16 anos), acompanharam os sarracenos executando uma varredura tática para o norte ao longo da costa, depois manobrando o sudeste, pegando Saladino de surpresa em Montgisard, perto de Ramla. Ibn Al-Athir(1160-1233), um dos cronistas árabes, menciona que Saladino pretendia sitiar um castelo dos cruzados na área. Mas o trem de bagagem de Saladino aparentemente ficou atolado, dificultando seu movimento. Os cronistas egípcios concordam que a bagagem havia sido atrasada em uma travessia do rio. Saladino foi tomado totalmente de surpresa. O exército dele estava em desordem. Parte disso foi retido pelo trem de bagagem à terra livre, enquanto outra parte de sua força foi amplamente dispersa em grupos de ataque em todo o campo. Alguns homens tiveram que se apressar para recolher suas armas do trem de bagagem.

Mapa da Batalha entre Saladino e Balduino IV

Formando-se para a batalha, Balduíno, os Cavaleiros de Raynald de Châtillon(1125-1187) e os Templários, embora numericamente inferiores, executaram uma carga frontal de cavalaria blindada no centro das linhas de batalha apressadamente formadas de Saladino, imediatamente causando pesadas baixas. O impacto foi imediato e devastador, criando uma cunha, quebrando a formação do inimigo. Balduíno, tão enfraquecido como estava por sua condição, lutou ao lado de seus homens, o que, como faria Henrique V na Batalha de Agincourt em 1415, teve um efeito inspirador em seu exército. Os francos, com o coração disciplinado dos Templários, colocaram os Ayyubidas em derrota, expulsando-os do campo. Eles massacraram um número importante de inimigos, vários dos quais eram generais de Saladino. Diante da derrota de suas tropas, Saladino encontrou abrigo no coração de sua guarda de elite, composto por mil mamelucos altamente disciplinados.

O rei Balduíno, lutando com as mãos enfaixadas para cobrir suas feridas, estava no meio da luta, inspirando ainda mais suas tropas. O comando egípcio estava sob o sobrinho de Saladino, Taqi ad-Din. Taqi ad-Din aparentemente atacou os francos enquanto Saladino estava reformando sua guarda mameluca. O filho de Taqi, Ahmad, morreu nos primeiros combates. Os homens de Saladino foram rapidamente sobrecarregados. Saladino felizmente, evitou a captura escapando, como Ralph de Diceto(1120-1202) afirma, em um camelo de corrida. Ao cair da noite, os egípcios que acompanhavam Saladino tinham chegado a Caunetum Esturnellorum perto do monte de Tell el-Hesi. Isto fica a cerca de 40 km de Ramla. Balduino perseguiu Saladino até o anoitecer, e depois se retirou para Ascalon. Cansado depois de dez dias de fortes chuvas, e sofrendo a perda de cerca de noventa por cento de seu exército, incluindo seus guarda-costas pessoais mamelucos, Saladino fugiu de volta para o Egito, assediado por beduínos ao longo do caminho. Apenas um décimo de seu exército voltou para o Egito com ele.

Após a unificação do Egito e da Síria, Saladino partiu aos preparativos para seu maior objetivo: Jerusalém! Em 2 de outubro de 1187 as tropas do Sultão entraram em Jerusalém. A derrota na Batalha de Hattin, ainda no deserto, e a queda de Jerusalém, abalaram o velho continente europeu. Josias, arcebispo de Tiro, partiu para a Europa. Chegou primeiro à Sicília, depois à Roma. O papa Urbano III teria morrido ao ser informado. No Oriente, diferentemente de seus inimigos, Saladino ofereceu possibilidade de exílio aos moradores da cidade. Mas, para isso, tiveram que pagar. Os pobres foram isentos. Porém muitos tiveram que vender tudo para saírem livres.

A derrota na Batalha de Hattin foi uma "facada nas costas dos cruzados". Fragilizou-os e facilitou a queda de Jerusalém. Na manhã de 4 de julho, os francos tentaram abrir caminho para o lago, distante aproximadamente 10 quilômetros. Saladino respondeu mandando seus homens atearem fogo nos arbustos em volta, aumentando o calor e produzindo espessa fumaça, o que veio a acrescentar mais sede aos ocidentais. Quando o calor atingiu o auge por volta do meio-dia, os arqueiros de Saladino, cada um equipado com 400 flechas, receberam ordens para lançarem um bombardeio livre e devastador sobre o inimigo. Na confusão resultante, a infantaria franca se dispersou, abandonando sua posição protetora usual em volta da cavalaria. Um grupo, comandado por Raimundo de Trípoli(1140-1187), rompeu através do cerco muçulmano e escapou. Mais tarde, surgiu uma versão de que receberam permissão para saírem por um acordo prévio com Saladino, demonstrando cabalmente as traições devidas às rivalidades, desconfianças, rixas e brigas entre os nobres latinos. A desordem geral do fatídico dia foi citada em uma carta da época, enviada ao Mestre dos Cavaleiros Hospitalários na Itália. A disciplina dos francos não foi tão boa como deveria ter sido, com muitos dos combatentes não dando apoio quando os Cavaleiros Templários acuavam o inimigo. Consequentemente, eles se encontraram isolados, cercados e, finalmente, massacrados.

Os francos restantes reuniram-se nas ladeiras dos dois morros do Monte Hattin (na verdade uma ampla colina, os restos de um antigo vulcão). Os morros são também chamados Cornos de Hattin, um nome posteriormente muitas vezes aplicado à própria batalha. O local oferece fraca proteção graças a um bom número de arruinadas muralhas da Idade do Ferro, mas o resultado era inevitável. Duas últimas e desesperadas cargas que visavam diretamente a Saladino e sua guarda pessoal, falharam, e os muçulmanos encerraram em vitória.

Guy de Lusignan(1150-1194) foi capturado, mas tratado hospitaleiramente e mais tarde libertado, enquanto Reynald de Chatillon(1125-1187), que anteriormente havia atacado uma caravana muçulmana, contrariando uma trégua, recebeu merecido castigo em retribuição, sendo impiedosamente esquartejado, o primeiro golpe vindo da própria cimitarra de Saladino. A maioria dos outros nobres francos capturados foram colocados em liberdade após pagamento de um resgate, porém os soldados comuns foram vendidos como escravos. Diferentemente, de acordo com o historiador árabe Ibn al-Athir, quaisquer irmãos dos Cavaleiros Hospitalários e Cavaleiros Templários que tenham sido capturados foram executados, pois Saladin temia as habilidades de combate e a devoção à causa cristã. O Mestre dos Templários, Gerard de Ridefort, foi poupado para resgate, mas tendo perdido 230 de seus cavaleiros, sua ordem foi colocada de joelhos.

Estados cruzados no Oriente, em meados do século XII

Saladino, além de obter uma vitória, conseguiu a sagrada relíquia da Verdadeira Cruz, retirada da tenda real de Guy após a batalha. A perda de tão precioso talismã espiritual funcionou como um verdadeiro choque para os francos e para a Europa Ocidental em geral. Saladino celebrou o sucesso em Hattin erguendo um edifício abobadado no local, cujas fundações ainda são visíveis hoje em dia. Outra atitude de Saladino, após conquistar Jerusalém, foi lacrar nove das dez portas da Igreja de Santo Sepulcro. A única que ficou aberta ganhou uma chave, que foi confiada a duas famílias árabes: Nuseibeh e os Joudah. Ainda hoje a chave permanece em poder delas.

Saladino virou uma espécie de ícone do mundo islâmico. Hoje muitas escolas militares no Oriente Médio usam suas táticas militares como exemplo. Isso a tal ponto que muitos líderes do mundo árabe "quiseram ser Saladino". Saddam Hussein(1937-2006), Aiatolá Komeini(1902-1989) e o que mais perto chegou do antigo sultão, que foi Gamal Nasser(1918-1970), antigo líder do Egito. Mas seus valores éticos estão longe desse líder, como o caso de Saddam Hussein, que lutou contra o Irã, tendo o apoio dos EUA. Coisa que Saladino jamais faria. Todos eles buscaram se assemelhar ao líder curdo da época das cruzadas, mas nenhum deles atingiu seu nível de gentleman. Dizem que pouco antes de tomar Jerusalém, Saladino teria dito ao filho mais velho, Al-Afdal:"Lembre que todos somos mortais e governamos porque o povo assim o permite. Nunca tente obter riquezas porque demonstra insegurança." Por manter esse pensamento ao pé da letra, Saladino morreu pobre.

Em fevereiro de 1193, após se desentender com o califa de Bagdá, numa briga que poderia rachar o islã, Saladino ficou depressivo. Morreria um mês depois, aos 55 anos. Como não possuía posses, seus seguidores fizeram "vaquinha" para comprar argila seca para o seu túmulo. Dizem que no leito de morte teria dito:"Espetem um trapo em meu porta bandeira. E mostrem ao povo que isso é tudo que o rei do Oriente levará para o túmulo..."

Referências Bibliográficas

1.Batalha de Hattin. WORLD HISTORY ENCYCLOPEDIA.https://www.worldhistory.org/Battle_of_Hattin/
2.SGARIONI, Mariana. As mil e uma noites de Saladino. Coleção Grandes Guerras, Volume V. Aventura na História. Ed. Abril.2005. São Paulo.
3.TYERMAN, Christopher. A Guerra de Deus: Uma Nova História das Cruzadas (vol. 1). Rio de Janeiro: Imago, 2010.
4.A Batalha de Montgisard.https://northumberlandkt.com/?page_id=2311

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