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quarta-feira, 18 de outubro de 2023

O lado sinistro das células-tronco

Neste dia do médico, convém relembrar uma das maiores descobertas da medicina genética: O uso das células-tronco! Desde que se deu a descoberta da molécula helicoidal do DNA, que a engenharia genética vem avançando. Desde o século XIX que os cientistas de todo o mundo têm estudado células-tronco, seja a partir de plantas, de camundongos, ou de células de pacientes em busca de cura para doenças.

Em 1868 o termo “células-tronco” aparece na literatura científica pela primeira vez, quando biólogo alemão Ernst Haeckel(1834-1919) usa a expressão para descrever o óvulo fertilizado que se torna um organismo, usa também para descrever o organismo unicelular que serviu como a célula ancestral para todos os seres vivos.

Em 1998, a equipe do biólogo James Thomson, da Universidade de Wisconsin(EUA), isolou e desenvolveu pela primeira vez em laboratório uma linhagem de células-tronco extraídas de embriões humanos. Foi um feito técnico e um problema ético para a pesquisa biológica. Feito, porque os estudos com essas células podem, em teoria, levar a melhores tratamentos ou à cura de uma lista quase interminável de doenças. Se devidamente cultivadas, as células-tronco embrionárias, e apenas elas, podem dar origem a todos os tecidos de um organismo, cerca de 220 tipos distintos de células que seriam a matéria-prima de novas terapias. Problema, porque a forma de obtê-las ofende a crença de parcelas da sociedade, em especial os religiosos, e, em alguns países, também as leis: as células-tronco são retiradas de embriões, que, ao ceder esse material, tornam-se inviáveis.

Porém, atualmente vem sendo confirmada uma hipótese antiga sobre as células tronco: que elas podem provocar câncer. A ideia de que os restos do nosso passado embrionário poderiam levar à nossa morte através do cancro é, na verdade, uma hipótese de longa data, que remonta a 1829. Ao longo de meados do século XIX, acumularam-se teorias e observações de que os tumores estavam ligados ao crescimento do tecido embrionário, culminando numa teoria abrangente do “repouso embrionário” apresentada por Julius Friedrich Cohnheim(1839-1884) em 1875. A teoria afirmava que os tumores podem surgir de células embrionárias que sobraram do desenvolvimento, e que permanecem adormecidas até serem ativadas, para se tornarem cancerosas.

As células-tronco são células humanas especiais que são capazes de se desenvolver em muitos tipos de células diferentes. Isso pode variar de células musculares a células cerebrais. Em alguns casos, eles também podem reparar tecidos danificados. Os investigadores acreditam que as terapias baseadas em células estaminais poderão um dia ser utilizadas para tratar doenças graves, incluindo alguns tipos de cancro. No entanto, as células-tronco também podem se tornar a causa do câncer.

As células-tronco cancerígenas(CSCs) são uma subpopulação de células dentro de um tumor que compartilham algumas características com as células-tronco normais. Tal como as células estaminais normais, as CSC têm a capacidade de se auto-renovar e diferenciar em múltiplos tipos de células, o que lhes permite impulsionar o crescimento e a propagação do tumor. Isto significa que as CSCs são responsáveis por impulsionar o crescimento e a propagação do tumor e são consideradas a causa raiz da recaída do cancro e da resistência aos medicamentos. Acredita-se que as CSCs sejam resistentes aos tratamentos convencionais de câncer, como quimioterapia e radioterapia, devido à sua capacidade de auto-renovação e regeneração após o tratamento.

Por outro lado, as células-tronco também apresentam potencial terapêutico no tratamento do câncer. Vários tipos de transplantes de células-tronco são usados nesta via de tratamento. O processo envolve a administração de altas doses de quimioterapia e, às vezes, de radiação para eliminar as células cancerígenas, mas essas altas doses também podem destruir as células-tronco do paciente e interromper temporariamente a produção de células sanguíneas. Para restaurar a produção de células sanguíneas, células-tronco saudáveis são transplantadas para substituir as células destruídas. Isto permite que doses mais elevadas de quimioterapia atinjam as células cancerígenas, e as células estaminais transplantadas podem crescer em células sanguíneas maduras que funcionam normalmente e estão livres de cancro.

Em alguns casos, os transplantes de células estaminais de um doador também podem ajudar a eliminar as células cancerígenas de forma mais eficaz do que as células imunitárias de um paciente. Essas células doadas podem localizar e destruir células cancerígenas.

Um lado sinistro, e cancerígeno, das células-tronco passa pela origem de certos tipos de câncer, e pode ser a causa de muitos outros. As pesquisas com células tronco estão fornecendo respostas para antigas perguntas da oncologia. O que tanto pode servir para o combate aos tumores, como um alerta do seu surgimento.

O mecanismo pelo qual os tecidos mantêm constante sua população celular é o mesmo em todo organismo, e está presente em quase todas as espécies superiores. Sua base são pequenos grupos de células-tronco de vida longa, que atuam como repositórios de células funcionais. A produção segue etapas rigorosamente organizadas, segundo as quais cada geração de células descendentes se torna gradativamente mais especializada.As células do sistema que forma o sangue, hematopoiéticas, são o melhor exemplo desse tipo de produção. Embora representem 0,01% das células da medula óssea de um adulto, as células-tronco hematopoiéticas(CTH), cada uma delas origina células progenitoras com diferenciação intermediária.

Durante muito tempo se acreditou que qualquer célula tumoral que permanecesse no corpo tinha potencial de reiniciar a doença. Hoje sabe-se que não é assim. E a descoberta de células-tronco cancerígenas tem a ver com isso. Alguns pesquisadores acreditam que no centro de todo tumor existe um punhado de células-tronco ael anômalas que mantêm o tecido maligno. Se estiver correta, a ideia poderá explicar por que os tumores muitas vezes se regeneram mesmo depois de serem quase destruídos por drogas anticâncer. Ela também indica uma estratégia diferente para o desenvolvimento das drogas, sugerindo que deveriam ser selecionadas segundo a letalidade para as células-tronco cancerosas, e não - como ocorre hoje - por sua capacidade de matar qualquer célula e diminuir os tumores.

O artigo de Michael F. Clarke e Michael W. Becker pode despertar sobre a eficácia das terapias com células-tronco. A principal função das terapias com células-tronco é restaurar as funções de tecido pela substituição de células lesadas. O artigo da dupla norte-americana demonstra os diferentes tipos de câncer, que se deve a alterações de células tronco tecido-específicas. Hoje já se sabe que linhagens de células embrionárias, quando transplantadas em adultos, podem originar tumores compostos de todos os folhetos embrionários. São chamado teratomas(tumor derivado de células germinativas). E há linhagens de células embrionárias que têm instabilidade genômica.

Também se sabe hoje que há dois tipos de células-tronco na medula óssea: Hematopoiética e mesenquimais. Estas últimas revelaram potencial oncogênico em camundongos. E pacientes transplantados com células-tronco hematopoiéticas desenvolvem neoplasias, que são crescimentos desordenados de células no organismo. Esse crescimento desordenado leva à formação de uma massa anormal de tecido, que pode ser cancerígeno ou não.

Mas nem tudo são desastres ou notícias ruins. Cientistas da Escola de Medicina de Harvard descobriram um jeito de transformar células-tronco em 'máquinas' para lutar contra o câncer cerebral. O estudo, publicado no jornal científico Células-tronco, foi resultado de um trabalho de cientistas do Hospital de Massachusetts e do Instituto de Células-Tronco de Harvard.

Em uma experiência com ratos, as células-tronco foram geneticamente modificadas para produzir toxinas que podem matar tumores no cérebro sem matar as células normais. Pesquisadores dizem que o próximo passo seria testar esse processo em seres humanos. "Depois de fazer toda a análise molecular e de imagem para controlar a inibição da síntese de proteínas dentro de tumores cerebrais, nós vimos as toxinas matarem as células cancerígenas", explicou Khalid Shah, principal autor da pesquisa e diretor do Laboratório de Neuroterapia no Hospital de Massachusetts e na Escola de Medicina de Harvard.

Pesquisadores querem "treinar" células imunológicas para reconhecimento e ataque às células cancerígenas. Outra ideia é o uso de drogas que forcem a diferenciação dessas células, de modo a eliminar sua capacidade de auto renovação. Com a combinação do método de destruir as vias genéticas responsáveis pela sua manutenção e pela sinalização do microambiente, se espera eliminar as verdadeiras células responsáveis pelo câncer.

Referências Bibliográficas

1.CLARKE, Michael F. e BECKER, Michael W. O potencial maligno das células tronco. Scientific American Brasil: As novas descobertas contra o câncer. nº30. Agosto, 2006.
2.As células-tronco e o câncer: https://hsci.harvard.edu/stem-cells-and-cancer
3.PIVETTA, Marcos. Células-tronco. Revista FAPESP. Edição 110. Abril, 2005. https://revistapesquisa.fapesp.br/celulas-tronco/

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