Este ano de 2018 fez 400 anos da eclosão da Guerra dos Trinta Anos(1618-1648). E em 24 de outubro de 1648 houve a assinatura do tratado de Vestfália em Münster. E isto foi há exatos 370 anos atrás. Nascia, nesse momento, o direito internacional nos moldes de Hugo Grotius.
Quando foi feita a Reforma Protestante, o Vaticano pareceu se conformar depois de muitas batalhas e a “Paz de Augsburgo” em 1555. Porém a chegada do calvinismo complicaria o cenário. Considerada uma força renovadora, começou a conquistar príncipes e repúblicas em várias partes da Europa.
Carlos V, imperador do Sacro Império Romano-Germanico, tinha um filho e um irmão disputando para herdar seu trono. Ambos católicos fanáticos. Quando de sua morte, em 1558, seu filho Felipe II ficou com a Espanha e suas colônias. Enquanto Fernando I, seu irmão, ficou com a Europa central. Fernando I começou pressionando a Boêmia(atual República Tcheca) para ceder ao imperialismo católico. Mas agora o Império Habsburgo estava dividido. Fernando I assumiu o império como um grande fanático católico. O próximo imperador, Rodolfo II, permitiu a liberdade de culto no império. Ânimos católicos se exaltaram, pois a liberdade religiosa significava mais proselitismo em campo católico, além de sequestro de terras do alto clero. Quando o imperador Rodolfo morreu, assumiu Fernando II, duque da Estiria. Filho de Maximiliano II da Áustria. Este foi um grande campeão da causa católica em 1619, conquistando a Boêmia e a Moravia e impondo o catolicismo como única crença permitida. Os tempos pareciam nebulosos. Mas nada começa da noite para o dia. A Guerra dos Trinta Anos(1618-1648) foi o último conflito religioso do continente europeu.
Este foi o cenário dos “Três Mosqueteiros” de Alexandre Dumas. Foi a guerra em que a França saiu como grande vitoriosa. A França do rei Luís XIII e o cardeal Richelieu. O cardeal que tinha mais olhos no trono francês do que na mitra papal. Sabia com quem estaria realmente o poder. A França sempre se gabou de ser o país mais laico da Europa. Desde os tempos de Filipe IV, quando sequestrou, aliado a família Colonna, papa Bonifácio VIII. O rei que acabou com a ordem dos templários para sequestrar seus tesouros, que fez o papado ficar em Avinhon, na França, por 70 anos. O rei que teve seus ossos queimados pelos revoltosos da Revolução Francesa, quando da tomada da Bastilha e outros castelos. A França que almejava se tornar uma república para ser mais livre, donde vem os conceitos de esquerda e direita hoje.
Mas, pensando bem, tem os povos mais sorte ganhando na loteria das urnas, como tiveram na dos cromossomos? As multidões não erram menos que a natureza. E a providência, de qualquer forma, é avara de grandeza.
Em que condições começou esse que foi considerado o primeiro conflito geral do continente europeu? Começou com pequenos conflitos de natureza religiosa,que naquela época também eram conflitos políticos. Cada principado ou reino que se tornava protestante, as terras do clero católico local eram confiscadas em nome do príncipe daquele reino, que fazia distribuí-las a outros nobres. Por causa disso, a cúria romana cobrava providências de seus reinos aliados, como a Espanha, o Sacro Império Romano Habsburgo, principados italianos e pequenos principados espalhados pela Europa. Assim nasceria o primeiro projeto expansionista católico, liderado por Fernando, duque da Estiria(território austríaco atual), educado por jesuítas. O perigo católico ameaçava tanto as potências protestantes do norte(Suécia, Noruega, Dinamarca e ducado de Brandemburgo) como a vizinha França. O conflito começou na Boêmia, território hoje ocupado pela república Tcheca e pela Eslováquia. Em 1608 os protestantes criaram a sua “Uniao Evangélica”. Em 1609 é criada a “Liga Católica”. Em 1612, Matias, já idoso, é eleito rei da Boemia e imperador do Sacro Império. Em 1617 os estados da Boemia designaram Fernando da Estiria sucessor de Matias, estando este ainda vivo. No ano seguinte, templos católicos foram fechados pelos “defensores da fé” protestantes no arcebispado de Praga. Isso fez acirrar os conflitos. Em 23 de maio de 1618 ocorreu o estopim da guerra. Nobres católicos foram atirados pela janela do castelo de Hradschin, o que ficou conhecido como defenestração de Praga.
Com a morte de Matias em 1619, Fernando II é eleito imperador em 18 de agosto, mas a Dieta imperial elege Frederico V, calvinista fanático, como imperador. A conturbação tomou conta da Europa central. A Polônia enviou tropas para devastar a Transilvânia, sob a suserania de Bethlen Gabor(este era sobrinho de Elizabeth Bathory, antiga Condessa húngara protestante, da qual muitas histórias seriam escritas), a Espanha atacou as províncias unidas(atual Holanda) e os Habsburgos de Viena vieram em favor dos católicos na Europa central. Com esse cenário aterrador, os protestantes tinham bons motivos para ter medo. Mas eis que vem o herói da causa protestante: Gustavo Adolfo, rei da Suécia. O famoso rei da neve! Patrocinado pela França, que apesar de católica financiava o lado protestante, pois queria ver a queda dos espanhóis e austríacos, o rei da neve foi conquistando território após território, até ser freado em 1632, na batalha de Lützen. Os suecos venceram, mas o imperador morreu em batalha. Dois anos depois, os suecos perderam para o exército imperial na batalha de Nördlingen. Nessa hora, entra em auxílio sueco aquela que até ali só era patrocinadora do lado protestante: A França! Era a França do cardeal Richelieu. Este que seria o vilão da saga dos três mosqueteiros. Que teria mais olhos na coroa de França, que na tiara do papa. Com a entrada do maior país europeu na guerra, ambos os lados estando desgastados, a liga protestante vence a guerra, impondo a paz de Vestfalia em 1648. A França continuaria sua guerra particular com a Espanha até 1659, quando houve a paz dos Pirineus.
A guerra produziu uma incrível baixa demográfica no império austríaco. Dos seus 20 milhões de habitantes no início do século XVII, só restaram 7 milhões. Esta marca só seria recuperada no final do século XVIII. Durante as partes inicias do tratado, os católicos se reuniram em Müster e os protestantes em Osnabrück. Os termos do tratado foram uma perda pesada para o campo católico. Foi estipulado que os feudos deveriam voltar às condições da batalha da Montanha Branca(1624), que deixou de fora as grandes conquistas católicas. O “edito de restituição” de 1629 foi suspenso. O papa não gostou disso, mas não teve outro jeito. Estava aberta uma nova era, onde pela primeira vez na História, a mediação papal não seria substituída por nenhum outro estado. Isso até aparecer a Liga das Nações e a ONU, ambas no século XX. Mas nunca mais a religião seria conciliadora de guerras. O que antes era “um Deus, um Cristo, uma fé”, como na idade média, agora era “um Deus, uma fé, uma Lei, um Rei”. A humanidade estava mudando. E a alavanca desta mudança era o ocidente. Hugo Grotius, aquele holandês protestante que viria a se tornar o pai do Direito Internacional, idealizou um mundo secular para a humanidade. Grotius escreveu o De juri Belli ac pacis(sobre o direito de guerra e de paz). Religião viria a se tornar algo cada vez mais doméstico. Gradativamente a religião deixou de ser um divisor de águas nas relações internacionais na Europa.
Ratificação do Tratado de Münster (1648), que inaugurou o moderno sistema internacional, ao acatar princípios como a soberania estatal e o Estado-nação.
Adorei o post, muitos ensinamentos!
ResponderExcluirObrigado Sil. Tem outros textos aqui, até mais explicados que esse. Transferi muitos do facebook para cá...
ExcluirBjos de fadas!